A particularidade dos gostos de cada indivíduo chega por vezes a ser surpreendente. Penso nisso, principalmente, ao observar o que as pessoas leem, o que mostram estarem lendo, o que comentam. O que é mais divulgado, o que ganha valor. Não é novidade alguma que os livros mais divulgados e compartilhados via redes sociais são livros contemporâneos e em sua maioria livros de fáceis leituras. Começa-se a reparar numa espécie de padrão; uma espécie de gostos e níveis de leitura – as pessoas estão lendo o que as agradam ou o que a divulgação lhes expõe? –, e o ponto que me chama a atenção é reparar e questionar-me como essas leituras são. Será que as pessoas realmente gostam do que leem? Será que não? Como será a criticidade desses indivíduos? O que os agrada? É inútil pensar nisso principalmente devido a toda a subjetividade que há no mundo; tudo é relativo. Só posso afirmar quanto a minha própria opinião.
Lendo A duquesa de Langeais – a segunda
história do livro História dos Treze –,
peguei-me pensando que, se esta fosse uma história escrita nos dias de hoje,
pelos escritores de hoje em dia, eu muito provavelmente reviraria os olhos e
detestaria, talvez até expusesse o quanto detesto “romances”, essa exposição
tão exagerada que fazem de casais que tem de tudo no decorrer da história para
jamais ficarem juntos, mas que tende a ser a história que imaginas o final
feliz dos contos de fadas. Além de ter a certeza – eu posso estar equivocada,
justamente por não ler este tipo de histórias – de que a narrativa seria tão
simples que me desanimaria. “Ei, espera, mas Balzac não tem uma linguagem
simples?”, poderias me questionar. E eu respondo com a maior convicção que,
sim!, Balzac possui uma linguagem simples, fluída, para resumir, uma narrativa
encantadora. A escrita, o desenvolvimento do livro de Balzac me cativou de uma
forma impressionante. Acredito que a única forma de eu gostar de ler histórias
românticas é por meio de narrativas balzaquianas ou como as de Jane Austen –
apesar de só ter lido Emma até agora.
Foi curioso reparar na espécie de aversão que senti ao imaginar A duquesa de Langeais numa escrita mais
objetiva e sem as contextualizações tão cativantes de Balzac.
Embora a
escrita de Balzac seja simples, não posso desconsiderar que possa ser um tanto
exaustiva a quem não se encanta com reflexões, pensamentos e contextualizações
de páginas e páginas para chegar ao que se quer falar – sim, ao ponto de em dado
capítulo haver dez páginas até se alcançar o momento em que conhecemos, de
fato, a personagem principal. Num exemplo para que essa “contextualização” fique mais clara,
pensamos na seguinte situação: uma professora exige a leitura de dado livro,
não comenta nada sobre ele, de modo que o leitor acabe chegando ao livro como
se caísse ali de paraquedas; numa contextualização, a professora, antes de
pedir a leitura do livro, faria uma espécie de introdução à temática,
suponhamos que seja para a leitura de A
Máquina do Tempo, de H. G. Wells, questionando aos estudantes o que
sabem/pensam sobre viagens no tempo, que histórias ouviram/leram sobre isso.
Essa pequena introdução poderia ser seguida pela informação de que há um livro
que é o primeiro relato escrito que se tem conhecimento em que uma máquina era
utilizada para viagens no tempo, e que esse livro é o que se pedira a leitura.
Há diferença? Claro que muitas outras motivações/contextualizações poderiam ser
muito melhores. É só um exemplo – e tanto se pode falar sobre motivação de
leitura e contextualizações... –, que espero ter sido frutífero.
O que fiz
agora não será talvez uma contextualização à história que li?
“Quando Balzac decidiu unificar a sua obra num grande conjunto intitulado A comédia humana, estes três livros, entre outros, foram colocados na série Cenas da vida parisiense. E de fato, nos três, Paris é um personagem dominante. Por meio de poderosas descrições das vielas, monumentos, mansões, palácios, Paris desfila diante do leitor com todo o seu mistério e sua grandeza, em descrições memoráveis que imortalizaram a cidade e impulsionaram o mito de Paris como a grande cidade do Ocidente diante dos leitores de todo o mundo.” (BALZAC, 2009, p. 185, introdução de Ivan Pinheiro Machado).
Assim como em
Ferragus, embora não tão perceptível,
em A duquesa de Langeais há a
presença dos Treze Devoradores, grupo secreto de treze homens que fazem de tudo
para se ajudarem, seja isso algo dentro ou fora das leis. Isso nos aparece
mediante o sr. de Montriveau, um dos protagonistas do romance. A história,
embora envolva diversos personagens – alguns participantes de outras histórias
de A comédia humana –, poderia se
resumir nas relações que se estabelecem entre dois personagens: o Armand
Montriveau e a duquesa de Langeais, que dá título ao romance. Na introdução,
tem-se a informação de que há, nessa história, algo de biográfico, um romance
não correspondido de Balzac que lhe serviu de “inspiração” para a história –
mas, por não me sentir apta a comentar a respeito, fica a sugestão de se
pesquisar mais sobre isso.
O romance
começa por seu final, ou melhor, seu quase final. De modo que sabemos, logo ao início,
que Montriveau demonstra ter um grande amor pela duquesa, a ponto de ter ido
atrás dela por quase todo o mundo, até encontrá-la num convento. Após esse
encontro entre os dois é que, no segundo e terceiro capítulo – pois a história
no todo só possui quatro capítulos, sendo o quarto à conclusão –, conhecemos
quem são esses personagens, como eram suas vidas e o que passaram até chegar
aquele encontro um tanto arrebatador. Acredito que podem ser feitas análises
muito interessantes dos personagens e do desenvolvimento da história, que, por
sinal, é fascinante, mas, aqui, me aterei a dois pontos – na verdade, a duas
citações.
“Assim, a pureza de sua regra atraiu, dos pontos mais afastados da Europa, tristes mulheres cujas almas, despidas de todos os laços humanos, suspiravam por esse longo suicídio efetuado no seio de Deus.” (BALZAC, 2009, p. 189).
A citação
acima se refere a um claustro, um convento, local descrito logo ao início do
primeiro capítulo. Essa parte me chamou particularmente a atenção, tanto porque
uma informação dessas não estaria ali à toa, quanto por seu teor, sua carga
dramática de histórias que podem vir por trás disso. Nunca, até então, havia
considerado o “recolhimento” de um indivíduo a um local sagrado como uma
espécie de suicídio. Pelo meu texto de Os
sofrimentos do jovem Werther imagino que ficou clara a minha atração por
esses assuntos. Mas não o é, essa ida ao local afastado da sociedade, um ato de
negar-se a si mesmo em favor de um outro? Que seja, nesse caso, a Deus? Essa
recolha, essa extrema devoção a algo além de si mesmo, tende, por consequência,
a negação de pensar em si mesmo, do egoísmo, do individualismo, do usufruto dos
prazeres, do conhecimento... Da vida em sua liberdade. Não critico essa
escolha, sequer sinto-me apta a apontar os motivos que levam a isso, o que
resulta disso, o que há de positivo e negativo, enfim, tudo que se refere a
essa escolha e essa fé. Apenas chamou-me a atenção pensar que refugiar-se na fé
pode tanto ser um ato extremo de devoção quanto uma fuga de si mesmo, um suicídio.
“A igualdade será talvez um direito, mas nenhum poder humano saberá convertê-lo em fato.” (idem, p. 210).
Algo curioso
é a forma com que questões importantes são colocadas de forma tão fluídas no
texto que, numa leitura um pouco desatenta, pode-se chegar a não perceber os
pontos que considero críticos, como a
citação acima. Há um claro apontamento quanto à divisão social, e que, no
fundo, remete à impossibilidade da existência do que chamamos de utopias – o
que me lembra do livro Admirável Mundo
Novo, de Aldous Huxley. Atualmente, tanto se discute sobre direitos iguais,
sobre toda essa vontade e sede de que haja tratamentos igualitários, que,
parece-me, ao ler esta frase de Balzac, que nós, humanos, ainda sonhamos, no
fundo, por algo que se aproxime de uma utopia. Mas tememos a utopia, a
rejeitamos vividamente, pois há o medo de que o eu seja apagado pelo nós,
pelo coletivo, pela massa. Seria equivocado, então, pensar que se deseja a
utopia em que se prevalece o desejo individual? E isso, por acaso, pode vir a
existir?
No entanto,
não é esta uma questão que a obra busca refletir sobre, apenas faz parte da
contextualização, e, lendo-a, podemos parar e pensar. Talvez por isso eu demore
tanto a ler...
Ademais, o
romance é uma história mais romântica que política ou religiosa. É mais um
elegante retrato de personagens parisienses. Um retrato também de personagens
apaixonados, que veem na paixão – que se diferencia do amor – emoções
arrebatadoras que os movem a ações impulsivas, a ponto mesmo de ignorar
questões da sociedade, algo tão importante à época. É, por fim, um romance
breve, com uma fluidez cativante, cuja leitura recomendo.
Não direi,
contudo, que a considero uma história perfeita, afinal, apesar de todo o
encanto que me causou, é um romance
de época e poderia dizer, por exemplo, que muitos personagens importantes à
história não são bem desenvolvidos, como o sr. Ronquerolles. Nesse ponto,
porém, vem a importante informação de que, apesar de serem histórias
individuais, muitas das reunidas em A
comédia humana possuem personagens que se repetem, aparecem em mais de uma
história, dado que se situam no mesmo universo, na mesma Paris, como é o caso
da madame Sérizy, que aparece tanto em Ferragus
quanto em A duquesa de Langeais. Resta
afirmar que, embora a leitura não seja de todo encantadora para alguns, tenho
de admitir que a história tem um desenvolvimento muito curioso no final do
terceiro capítulo e no decorrer do quarto. Eu, particularmente, gostei
bastante.
Pequena
observação: a obra História dos Treze
reúne três romances, em que cada um deles possui um tradutor diferente, sendo:
William Lages (Ferragus); Paulo Neves
(A duquesa de Langeais); e Ilana
Heineberg (A menina dos olhos de ouro). Não sei se estaria certa em afirmar isso, mas pode-se notar diferenças na tradução da primeira e da segunda história, em que naquela se preferiu o uso de monsieur e nesta se preferiu a tradução para senhor. O que já demonstra a diferença de escolha dos tradutores.