“Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem
do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo.” (HESSE, 2006, p. 62).
Quando penso
em narrativas, refiro-me à forma como a história se desenvolve, ao modo como o
autor escreve. Talvez seja errado nomear isso de narrativa, não sei ao certo.
Mas é a isso que chamo de narrativa.
Parto do princípio de que antes de uma boa história, o livro precisa de uma boa
narrativa. Porque é por meio da narrativa que o leitor irá construir sua
leitura, entrar ou não no universo ali criado. É por ela que nos sentimos
atraídos ou não pela história. Além de ser a narrativa um dos elementos utilizados
para se definir se um livro é difícil ou não. Se há uma linguagem rebuscada, se
é muito simples ou, talvez, incompreensível. Para mim, é parte essencial da obra, principalmente porque tenho apreço por livros que nos
fazem pensar, que conseguem nos prender nos pensamentos do personagem, em suas
reflexões, sejam elas sobre coisas banais ou de tanta complexidade que há a
necessidade de uma releitura para o seu entendimento. Claro que há, aqui, o meu
gosto por narrativas, há quem prefira textos objetivos e deteste enrolações e
descrições. No entanto, gosto de pensar que são essas narrativas mais
elaboradas que conseguem passar o quanto a linguagem consegue ser maravilhosa e
encantadora. Um dos motivos de eu evitar alguns livros contemporâneos, afinal,
é justamente esse; a narrativa tão objetiva e por vezes fraca – Celeuma? Talvez... Bom, claro que
entram outras questões para esse estilo narrativo, o público, a temática, a
bagagem literária... O comércio...
Acho que me entenderam.
É por esse
ponto que quero apresentar Demian, do
escritor Hermann Hesse (1877-1962). A leitura da obra é incrível, tanto pela
história, quanto, e principalmente por isso, pela narrativa de Herman Hesse. Já
havia lido O lobo da estepe, e havia me
encantado com a narrativa também, mas acho que a achei ainda melhor em Demian. Não é uma leitura que se diga
difícil pela escrita, talvez seja difícil se buscarmos entender tudo que ali
está escrito – e que vamos acrescentando ao ler –, pois no decorrer da obra parece que há um aumento na densidade de
conteúdo apresentado. É um livro encantador e que, talvez por ser um bildungsroman, nos mostra a vida de
Emil Sinclair desde sua infância, passando pela juventude e seu auge, que, pelo
que entendi, é entre os dezoito e vinte anos. Ademais, não acho que teria
capacidade para comentar com qualidade esse livro, pois muitas das questões ali
apresentadas me parecem longe de minha compreensão. De modo que talvez percebam
que minha visão da obra pode ser um tanto superficial demais. Ao mesmo tempo em
que poderia deixar de comentá-lo, sinto que preciso apresentá-lo e mesmo conversar sobre essa excelente obra.
O livro, pelo
que pode ser entendido pelo prefácio, é um pouco autobiográfico, mas
todo livro não o é? Um dos “elementos”, não sei como definir isso, ou,
talvez, uma das questões que o livro abarca, é a divisão entre o mundo luminoso, bom e puro e o mundo obscuro. Essa divisão, de início, parece-me bem fácil de delimitar, a leitura nos mostra uma
divisão aparentemente bem clara, ao passo que parece ir se tornando mais densa
conforme paramos para pensar. Para mim, essa foi uma temática parecida com a
que abordei numa aula de estágio no Ensino Médio neste primeiro semestre de
2016, de modo que quando a questão começou a se ampliar, eu já retomei o que
havia pensado anteriormente. O que eu quero dizer com isso?
Bem, pensemos
que o bom seja o lado que nos leva a Deus – independente de acreditar ou não
nisso, pensemos como o livro nos traz (ou mais ou menos nos traz, já que falo a partir da
minha visão do livro) –, e o lado ruim, mal, o lado que nos leva ao Diabo. É um
confronto entre luz e trevas, como se a separação fosse assim, óbvia e bem
delimitada. Mas acredito que todos sabemos que não se pode responder dessa
forma, tão simplesmente. Não existe pessoa perfeita, de modo que todos passamos
tanto pela luz quanto pelas trevas. Na verdade, somos uma união
desses dois lados, uma junção que nem sempre é clara e nítida. Até porque
definir bom e mal partiria para o que é certo e errado, ao mesmo tempo em que
isso depende de quais valores morais etc. estão a nós dispostos, e aos quais
seguimos. Bem, desse ponto em diante não tenho capacidade de comentar muito,
mas fica então a reflexão a vocês.
Afinal, e
quanto à história?
Apesar de o
título ser Demian, e Max Demian ser
de fato um dos personagens principais da história, o narrador e protagonista é
Emil Sinclair, um rapaz cuja família é religiosa e considerada por ele como
pura, fonte e parte do mundo de luz. No primeiro capítulo, principalmente,
vemos essa divisão dos dois mundos e como Sinclair fica transitando entre eles
e pensando sobre isso. Era algo muitíssimo importante a ele, além de ser uma
questão que o guiara por toda a trajetória de sua vida – a que temos
conhecimento, pelo menos. O primeiro conflito
da obra – se é que posso chamá-lo assim – dá-se na infância de Sinclair, em que
ele se encontra na passagem entre os dois mundos.
“Pela primeira vez saboreei a morte. Tinha um gosto amargo. Pois a morte é nascimento, é angústia e medo ante uma renovação aterradora.” (p. 32).
As questões,
um tanto existenciais, começam desde o início, em sua tenra idade, dando
conversa com temas não tão leves, como a morte. Mas não a morte no que
recorrentemente associamos como a morte física, mas a morte de parte de si,
morte do que se até então considerava como seus valores morais etc. Morte de
quem fomos e nascimento de quem estamos nos tornando a ser. Ademais, não é isso
algo que, de um modo ou de outro, sendo em maior ou menor grau, pelo qual passamos em nossas vidas, uma ou outra vez? A passagem de uma fase à outra, a
mudança de quem somos, o crescimento e conhecimento de si próprio...
Enfim, é a
partir e depois desse primeiro conflito
que Demian passará a exercer uma influência surpreendente em Sinclair. Max Demian
surge como um novo aluno, sendo diferente,
uma pessoa cuja idade não parece ser bem definida, um indivíduo desgarrado da
sociedade por vontade própria, mas que nem por isso se considera de certo modo
superior. Porque eis que o próprio orgulho é um problema. Mas essa é só uma visão
superficial. É Demian quem irá ver em Sinclair a característica que permeia
alguns indivíduos da sociedade, além de mostrar que o rapaz pensa mais do que é capaz de expor ao
mundo.
“Vejo que pensas mais do que podes exprimir. Mas vejo também que nunca viveste completamente aquilo que pensas, e isso não é bom. Somente as ideias que vivemos é que têm valor.” (p. 80).
Mesmo podendo
fugir um pouco do que se está falando no livro, parece-me que podemos associar com nossa sociedade atual,
pensar, com essa parte isoladamente, nos indivíduos que pensam muito e o
refletem, mas não o mostram. (E voltamos à questão das aparências engarem?).
Pode-se pensar, também, num excesso de teoria que não faz sentido sem a prática
– e vemos bastante isso quando estudamos licenciatura, porque é um debate feito
devido sua imensa importância na formação do sujeito. No entanto, convém
mencionar para que não se caía no ledo engano de pender mais para um lado do
que para o outro, pois ambas, teoria e prática, são essenciais para um conhecimento
significativo e produtivo.
“- [...] A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.- Sim, é bem possível – murmurou. – Talvez o importante seja apenas saber em que sonhos vivemos...” (p. 135).
Outro ponto
que considero importante comentar, mesmo que brevemente, é que o livro não é só
sobre a formação e desenvolvimento de Sinclair, pois parece ir além disso,
envolvendo o mundo que o cerca, sendo este, também, o nosso. Não está nosso
próprio desenvolvimento num contato constante com o mundo, e sendo da vivência
com ele que criamos e moldamo-nos? E eis que a sociedade entra nesse círculo, pois
é com ela que convivemos, seja direta ou indiretamente, pois sempre há o risco
da socialização vir a ser inevitável – e quantas pessoas já não se deixaram
levar por grupos que lhes levaram a caminhos inadequados? Acompanhando o
desenvolvimento de Sinclair, vemos ambos os lados, ambos os mundos, e uma busca
infindável por aquilo que mais lhe apraz.
Ademais,
tenho de comentar que a edição que li possui alguns errinhos, algumas frases
que poderiam possuir umas modificaçõezinhas para tornar mais compreensível,
coisas que imagino serem da tradução e/ou revisão, mas que também acho que
devem ter sido arrumadas na última edição. Ou assim espero. Aliás, como podem ter reparado na foto acima, está escrito, na capa, "venda proibida", pois bem, explico-lhes que peguei o livro emprestado de uma escola estadual de Içara; é mais ou menos a mesma situação do livro de Balzac, disponibilizado à escola pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Por sorte, encontrei-o lá este mês (<3), digo isso pelo fato de que Demian foi a leitura escolhida do mês de julho para o Clube do Livro que participo. Depois de já estar com o livro em mãos, encontrei-o numa livraria, com a capa amarela bonitinha, que pode ser vista abaixo – não é difícil encontrar esse livro –, e quis comprá-lo, pois desde que li a resenha do blog O epitáfio – aliás, recomendo que leiam a resenha dele – fiquei encantada com a capa, mas, graças à pessoa da minha irmã, comprei outro livro no lugar (O gigante enterrado~ *-* Conhecem? Parece muito bom!). Pois bem, gostaria de poder
comentar a capa, mas talvez isso pudesse ser spoiler e tirar um pouco da graça
da leitura. Basta dizer que o desenrolar da
metade em diante, embora um pouco mais denso, talvez, é surpreendente.
![]() |
As imagens das capas eu retirei do Skoob. Reparem na grande diferença que há de uma capa a outra. Particularmente adorei a primeira da fileira de baixo, do lado esquerdo. |
Enfim, espero
que tenha sido uma visão não muito distante da obra, e que tenha conseguido
demonstrar que, apesar de conter muitas coisas, é uma leitura que vale muito a
pena. Resta apenas pensar, é Demian um
ouriço? Fiquei meio na dúvida; embora a capa me gerou curiosidade, pois não me
fazia sentido, e comparando-a com outras fez menos sentido ainda, ela está tão
relacionada à história que é difícil comentar (aliás, eu achava que era uma fênix, mas, pelo que entendi, é um gavião). Então, por essa visão, não, não
é, pois embora a capa não reflita toda a grandeza da obra, reflete grande
essência dela – é difícil uma capa fechar inteiramente com a obra, não?
Contudo, se analisarmos ser de um autor um pouco desconhecido, geralmente
associado a esse amontoado de questões que traz, de certo onirismo, com a possível crítica e tudo
o mais... Além de capas que podem não atrair novos leitores... Bom, nesse caso
eu consideraria um ouriço. Mas deixarei a decisão desse em aberto. Leiam e
digam-me suas opiniões. =)
HESSE, Hermann. Demian. 37. ed. Rio de Janeiro: Record.
2006. Tradução e prefácio de Ivo Barroso. 188 p.
Olá, Paula,
ResponderExcluirTambém estou lendo este livro, e concordo com você sobre a narrativa rica que o autor desenvolve. Ademais, os questionamentos propostos no livro são instigantes, apontando pontos de vista sobre elementos religiosos que, em geral, são dogmas, ou seja, inquestionáveis.
Por fim, adorei sua resenha, foi muito interessante lê-la.
Olá! =)
ExcluirNão é? A narrativa é muito boa! *-*
Concordo, é bem instigante. Principalmente por não se ver muito disso junto, uma narrativa boa com questionamentos assim.
Fico contente que gostasse. ^^
Ola!!!
ResponderExcluirAdorei ler sua resenha!!
Estou muito interessada em comprar esse livro e sua resenha me deixou mais interessada ainda <3, e percebi mesmo a grande variedade de capas que ele possui, tanto é que em um site que procurei a versão amarela esta mais cara que a versão marrom com a árvore. Queria saber se você sabe a diferença entre eles. Tem alguma diferença no conteúdo ou algo do tipo???
Olá!
ExcluirQue bom! *-*
Ah, sim. A amarela é mais cara mesmo, além de um tantinho mais difícil de achar do que as outras - pelo menos nas minhas buscas pelo livro. Assim, que eu saiba não há diferença no conteúdo. A não ser que sejam tradutores diferentes, mas acho que não, já que são ambas edições da mesma editora. O que eu vejo que possa haver de diferença mesmo seria relacionado ao tipo do material usado no livro e quanto ao tamanho da fonte. Mas acho que com qualquer uma das edições poderias aproveitar a obra.
Espero que gostes da leitura. ^^
Obrigada pelo comentário. =)