"Todo mundo sempre deixa algo de si para trás, porque esse algo não cabe mais em sua vida; no entanto, nem por isso, tem a sensação de ter ficado mais pobre." (KRÜGER, 2002, p. 209).
Uma onda de desânimo fez com que eu abandonasse a leitura de A violoncelista por alguns dias, até enfim voltar a tomar a obra em mãos. Não porque o livro seja ruim, não o é; até achei-o muito bom, apesar de eu ler uma boa parte sem entender direito, porque não são temas que eu entenda (história, música...). Soma-se isso ao fato de eu lê-lo aos poucos, o que contribuiu para que eu fosse esquecendo e me distanciando da obra mesmo durante a leitura. Nesse momento em que larguei o livro, por bastante tempo pensei na questão de abandonar as obras, do momento certo para ler determinado livro e, até mesmo, se há um problema em passar dias sem pegar um livro na mão. É provável que alguns pensem logo que não sou uma "verdadeira" leitora, ou leitora compulsiva, e não sou mesmo. Por sinal, antes disso, por algum tempo fiquei pensando que, na verdade, eu leio pouco
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Sim, eu sei que seria mais certo se fosse um violoncelo, mas não tenho um. Então é meu violino mesmo |
"E era evidente também que aquele homenzinho magérrimo escolhera a mim para recontar sua vida e advertir a não amontoar tanta coisa começada e inacabada, de que não pudesse me livrar depois." (KRÜGER, 2002, p. 97).
Uma das surpresas da obra de Michael Krüger, percebida nos primeiros capítulos, é que o livro praticamente não dispõe de um diálogo sequer traçado com travessão ou aspas. Exatamente, sem as marcas habituais a que estamos acostumados; pode parecer estranho e confuso, mas serviu muito bem à narrativa. Claro, para quem já leu Saramago pode facilmente associar a ele e ter uma ideia de obra nesse estilo. Só que há uma diferença: Krüger tem uma narrativa mais "precisa" e facilmente identificável de quem está falando o quê, ao contrário do que se vê em Ensaio sobre a cegueira. Vale considerar, aliás, que há pouquíssimas falas no decorrer do livro. O que dá ao livro um tom de narração de memórias tão bonito que chega a ser admirável. (Isso não foi irônico). Esse estilo empregado é fluido e, de certo modo, possui uma elegância que me encanta. Ou pode ser porque prefiro histórias assim, cujo personagem num determinado presente relata suas memórias do passado, nem sempre em ordem cronológica.
A obra, narrada em primeira pessoa, conta a história de um compositor na faixa dos cinquenta anos que deseja produzir uma ópera baseada nos textos do russo Ossip, projeto que, aparentemente, ninguém o apoia; apesar de ter produzido algumas músicas com teor mais clássico (imagino que não esteja errado dizer assim), sua fama decorreu das trilhas que produziu para programas de TV. Seu projeto sobre Ossip, contudo, parece cada vez mais longe de ser concluído quando ele recebe a visita de Judit, a filha de sua amiga Maria. O protagonista sequer sabe quem é o pai de Judit, e possui suas dúvidas sobre possivelmente ser seu pai. Não bastando isso, a jovem parece imitar as ações de Maria, fazendo-o relembrar de seu passado, e, também, parece virar sua rotina de cabeça para baixo, retirando-o de seu sossego.
"Cada um tem seu espaço, a ele destinado. Às vezes, é necessária uma vida inteira para encontrá-lo e, ainda assim, não ocupá-lo, porque, de tanto procurar, ficou-se cego para suas qualidades." (KRÜGER, 2002, p. 161).
Interligado ao enredo, vê-se muitos apontamento sobre arte, música e mesmo um pouco sobre história. Apesar de que não tenho base suficiente para comentar a respeito, parece-me certo dizer que o escritor tem bastante conhecimento sobre o que apresenta, pois seus questionamentos são por vezes intrigantes. A isso junta-se um drama sobre o personagem cuja vida parece desbotada, mas que não o percebe e continua rememorando a vida e pensando nas suas obras produzidas.
"A arte afastara o homem da sociedade; a partir do momento em que todo mundo passara a poder tornar-se artista, a profissão se fizera almejada e o Estado ou a sociedade haviam sucumbido àquele fato, criando mais e mais institutos a conduzir a massa de aspirantes a artistas, todos autodenominando-se artistas formados depois de oito semestres de estudos, mas desprovidos da mais vaga ideia do que fosse a arte." (KRÜGER, 2002, p. 121).
A obra toda intercala, em sua narrativa encantadora, uma espécie de drama, uma confusão e diversos questionamentos que fazem com esse não seja um livro apenas sobre o reencontro com o passado e os obstáculos que fazem com que a vida aos poucos possa ser desbotada se não tomarmos cuidado. Embora alguns pontos pareçam ter ficado um pouco vago (ou talvez eu não tenha entendido bem, pode ser), de modo que me parece que poderia haver um aprofundamento ainda maior acerca de alguns personagens, não posso deixar de pensar que no estilo narrativo não havia necessidade de se explicar o que foi deixado de lado. Porque alguém pensando na sua vida não fica explicando tudo nos mínimos detalhes para si mesmo; nós, leitores da vida alheia, é que temos essa curiosidade que parece que necessita ser preenchida. Por um lado, quem sabe uma releitura e uma mente posta para funcionar consiga preencher esses espacinhos vagos. Por outro, fica o pensamento de que às vezes os autores realmente não querem nos dar todas as respostas/explicações de bandeja (um resquício de maldade, será?).
"Quanto mais mergulhava na leitura sobre os campos de concentração, mais impossível foi se fazendo para mim conceber uma música que transmitisse sequer um eco longínquo de todo aquele sentimento." (KRÜGER, 2002, p. 174).
Só ao término da leitura, nas últimas cinquenta páginas, foi que comecei a pensar que a história parecia um pouco "real" demais em alguns pontos, o que me fez recorrer ao Google e descobrir que Gyorgy, nome do narrador-protagonista, é o nome de um compositor que de fato existiu e, olha só!, até mesmo foi compositor da trilha do filme 2001 (cujo livro ainda lerei). Bom, é isso, sei que ficou um pouco vago, mas espero que tenha servido ao propósito.
"Em todas as demais horas que passo acordado,
entrego-me a comparações, o que faz com que, várias vezes ao dia,
sinta-me tentado a jogar a toalha." (KRÜGER, 2002, p. 20).
entrego-me a comparações, o que faz com que, várias vezes ao dia,
sinta-me tentado a jogar a toalha." (KRÜGER, 2002, p. 20).
KRÜGER, Michael. A violoncelista. Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 213 p.
Seu blog foi um achado! Ótimo conteúdo e resenhas, meus parabéns! Nem sempre comento, mas leio todas as newsletters. =)
ResponderExcluirOlá!
ExcluirFico muito contente por saber disso. *-* Obrigada!
É bom saber que tem alguém lendo. xD
Abraços.
Bom dia, é a primeira vez que leio seu blog, e senti o mesmo que você, a falta de resenhas sobre este livro. Agradeço pela sua resenha, sucesso!
ResponderExcluirBom dia!
ExcluirPois é, a falta de resenhas sobre esse livro é uma tristeza. Meio que faz parecer que o livro é desconhecido (e não muito agradável). O que não corresponde bem à obra.
Muito obrigada! Espero que a leitura tenha valido a pena. =)