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segunda-feira, 25 de junho de 2018

How much land does a man need?, de Leo Tolstoy


Faz uns dois ou três meses que comprei o box de pequenos clássicos da Penguin Books. São 80 livros entre 50 e 64 páginas com clássicos de diversas nacionalidades; inglês, japonês, russo, chinês, francês, latim, grego etc. Boa parte dos autores são bem conhecidos, outros, eu nunca havia visto o nome antes. O que considero uma boa oportunidade de conhecê-los enquanto pratico minha leitura em língua inglesa. Porque, sim, todos os livros são em inglês. E não, não sou fluente, nem chego perto disso. Meu objetivo é tentar voltar a ler utilizando o inglês como motivação (já que inclusive estou fazendo um curso para melhorar minha habilidade irrisória de conversação). A quem interesse, ler ajuda, e muito, a compreensão de um outro idioma. Mesmo que se comece com uma frase aqui, outra ali, até chegar a ler uma página inteira, um conto inteiro; o interessante é optar por um desenvolvimento gradual da dificuldade de leitura. Eu, por exemplo, comecei com mangás e frases no Instagram. É tudo uma questão de prática. Quanto ao box, devo dizer que o nível de dificuldade de leitura varia de um livro para o outro, o que já era esperado de obras de diferentes séculos/autores. 

Esse livro do Tolstoy foi a minha terceira leitura, e devo dizer que, mesmo que sejam livros pequenos, é notável o quanto ler em inglês vai ficando mais fácil a cada livro lido (mesmo que ainda não consiga ler muito sem um dicionário por perto). Do autor, eu já havia lido Anna Kariênina, no ano passado, e A morte de Ivan Ilitch. E, apesar de já ter lido alguns livros russos, tanto dele quanto de Dostoiésvki e Gógol, não consegui não ficar surpresa com o desenvolvimento desse pequeno livro, principalmente pela segunda história. O motivo é uma espécie de spoiler...

A primeira história, aliás, que dá nome ao livro, How much land does a man need? ("De quanta terra um homem precisa?", ou algo nesse estilo), não é menos interessante. A premissa é simples: o devil (demônio) ouve duas mulheres (uma da cidade e a outra do campo) conversando sobre seus maridos, problemas e felicidade, até que o marido de uma delas se intromete na conversa e diz que se tivesse terra suficiente, nem o devil poderia impedi-lo de ser feliz. Certamente, o devil decide "brincar" com esse homem. E no decorrer da história esse mesmo homem vai conquistando mais e mais terra. Porém, nunca se satisfazendo com o que já tinha, sempre almejando mais terras, que fossem mais férteis que as que ele já tinha. O que lembra aquele ditado que diz que a grama do vizinho é sempre mais verde. Aos nossos olhos, eu acrescentaria. Só que, claro, o protagonista não enxergava isso e muito menos decidia se estabelecer num canto só. A partir daí, já dá para imaginar como terminará.

"If I stopped now, after coming all this way - well, they'd call me an idiot!" (p. 20) [1]

Já a segunda história, What men live by (algo como "pelo que os homens vivem")que me surpreendeu um pouco mais (talvez por eu esperar algo diferente), é um pouco mais religiosa, abordando a questão do pecado, da compaixão e da humanidade em geral. O protagonista, um sapateiro pobre, mal consegue sustentar sua família, sequer tendo dinheiro para comprar casacos para o inverno. Após conseguir juntar certa quantia, resolve tentar comprar uma pele para se aquecerem, o que, infelizmente, não consegue. Na volta para casa, pensando no que faria para que pudessem sobreviver a outro inverno, se depara com um homem pelado escorado numa capela. Seu primeiro impulso é se afastar rapidamente. Afinal, o que um homem estaria fazendo ali, naquele frio, sem roupa? E o que ele, tão pobre, poderia fazer? Porém, depois acaba retornando e ajudando o homem, dividindo com ele o pouco que tinha de roupa e o levando para sua casa. O homem se recusa a dizer qualquer coisa sobre si mesmo, apenas dizendo seu nome, Mikhail. 

Após um desentendimento breve do casal, eles deixam o homem morar com eles, desde que ele também trabalhasse pelo seu sustento. Mikhail aprende a profissão de sapateiro em poucos dias e com o tempo eles prosperam e sua fama se espalha pela região. O tempo passa, e eles nada descobrem do homem, até que dois fatos fazem com que essa situação se altere. ~spoiler~

"Please don't be angry, Matryona, it's sinful. Don't forget that we must all die one day." (p. 33) [2]

Essa história tem um teor maior de ensinamento (o que pode não ser tão motivador), mas não deixa de ser uma leitura agradável e interessante. Justamente porque Tolstoy tem essa capacidade de, com uma linguagem um tanto simples, traçar a essência humana. De explanar a vontade humana, suas motivações, a importância que se dá a coisas desnecessárias e o quanto podemos ser cegos ao que mais nos é valioso. Seus personagens bem construídos, mesmo em histórias curtas, trazem essa ideia de verossimilhança, sendo fácil pensar que alguém assim realmente poderia existir. São leituras agradáveis e, embora não saiba se essas histórias foram traduzidas, sem dúvida vale a pena lê-las.


TOLSTOY, Leo. How much land does a man need? Translated by Ronald Wilks. UK: Penguin Books, 2015. 56 p. 

Minhas meras tentativas de tradução das citações acima:
[1] "Se eu parasse agora, depois de vir todo esse caminho - bem, eles me chamariam de idiota!"
[2] "Por favor não fique brava, Matryona, isso é pecaminoso. Não se esqueça que todos nós morreremos um dia."

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Anna Kariênina, de Liev Tolstói

“Ao escavar nossa alma, não raro trazemos à superfície aquilo que, de outro modo, lá permaneceria sem ser notado.” (TOLSTÓI, 2013, p. 155).


A profundidade dos livros russos, a cada obra que leio, me parece mais curiosa e envolvente. Assim como em outras obras, embora haja um foco determinado, ou que assim o pareça, os autores russos parecem conseguir discorrer sobre outros temas e mesmo trazer críticas sem que, a meu ver, deixem o livro enfadonho ou fugindo do suposto fio central da obra. Se a obra tem por foco um casal, nem por isso será uma história que não aborde a profundidade disso e de outros pontos que se ligam ao tal casal; seja questão moral, econômica ou espiritual. Questão, por fim, que dão à obra um teor mais pesado, mas sempre acompanhado de uma narrativa agradável e que te faz querer chegar logo à última página - tenha a obra 100 ou 800 páginas.


Crédito: Estante de luxo. << No link há uma apresentação linda dessa edição, que recomendo darem uma olhada. 💛

Desde que li A elegância do ouriço, da Muriel Barbery, me senti quase intimada a ler Anna Kariênina, e uma curiosidade tamanha me fez comprar o livro ainda ano passado, só aguardando um momento mais calmo para lê-lo. Afinal, não é fácil ler algo de 800 páginas; ainda mais para quem, como eu, tem receio por livros grandes. Apesar disso, estava decidida a lê-lo ainda este ano; e, por coincidência ou não, esta obra está entre os livros do Projeto Viajante Literária, da Helena do Leituras e Gatices. Antes de começar a ler este livro do Tolstói, admito que não sabia muito sobre ele, o que revelou ser uma surpresa agradável. Partindo do que mencionei acima, tenho de admitir que esta obra em particular vai um pouco além, no que se refere aos personagens e questões apresentadas. Tolstói conseguiu reunir uma gama de personagens diferenciados e apresentá-los aos poucos, sem que o leitor se sinta completamente perdido, compreendo certas nuances dos personagens que os diferenciavam. O "foco" do livro, aliás, é a questão do amor, do casamento, do adultério e de como isso é encarado. Em meio a isso, o autor explora algumas questões da vida em sociedade, na cidade, e no campo; comparando uma vida simples e uma vida "tumultuada". Ambas permeadas por questões morais fortes.

Talvez, acima de tudo, para mim, o livro retrata a mudança dos personagens (e das pessoas num todo) com a passagem do tempo; a preocupação ou não com os sentimentos alheios. Além disso, a obra, como mencionei antes, aborda tantas questões, que sinto ser difícil escolher uma só para dizer o quanto esta obra é incrível e merece ser lida; ao passo que mencionar todas que eu percebi parece ser uma lista enfadonha e desagradável.

“Não há situação a que uma pessoa não possa habituar-se, sobretudo quando vê que todos à sua volta vivem assim.” (TOLSTÓI, 2013, p. 692).

Ouso dizer que há quatro personagens principais, a meu ver, sendo o Liévin (meu favorito dentre eles), a Kitty, a Anna Kariênina e o Vrónski. Cada um abarca uma parte da obra, e todos, em algum momento, se intercalam, direta ou indiretamente. Ao início da obra, porém, somos apresentados a Stiepan (irmão de Anna) e Dolly (irmã de Kitty), já adentrando a obra com um casamento aparentemente arruinado devido à traição de Stiepan. E então começa a presença do adultério na obra; e durante toda ela, por sinal, se apresenta a questão de quem, afinal, é o culpado nisso. À época, convém mencionar, havia uma forte marca da dignidade e honra familiar, principalmente aos nobres; algo que, atualmente, não se vê da mesma forma.

“Como vê, a mesmíssima coisa pode ser vista de modo trágico e tornar-se um tormento, ou pode ser vista de modo natural e até alegre.” (TOLSTÓI, 2013, p. 299).

Dividida em oito partes, a obra intercala e apresenta a vida dos personagens numa espécie de vai e vem temporal interessante, que me lembrou, de certo modo, de Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski. E, aos poucos, vai-se compreendendo a trama que ali se expõe e as complexidades ali envolvidas. Ao mesmo tempo, passa-se a fazer presentes certos apontamentos, observações que, embora de outra época, são hoje ainda muito atuais. Exemplo disso seria a necessidade de querer viver e se sentir vivo, ao mesmo tempo em que há uma opressão da sociedade, tanto em caráter moral quanto econômico. Uma necessidade que, ao passo em que a mente se vê ociosa, põe-se em questionamento o motivo da existência do ser humano e seu papel, de fato, no mundo. Ali, na vida. Junto a isso, põe-se em questionamento, na obra, a capacidade de amar e ser feliz. 

“Em tudo, via apenas a morte ou o avanço rumo à morte. [...] Era preciso, de algum modo, viver sua vida, enquanto a morte não vinha.” (TOLSTÓI, 2013, p. 349). 

Apesar de que, neste caso, parece necessário ser comentado um pouco mais sobre os personagens e sobre o enredo, quero deixá-los à merce da leitura que se fará da obra; pois eu não o conseguiria explicar. Mesmo porque a obra, além do que mencionei, aborda o papel da mulher na sociedade, a independência do homem e a falta dela para a mulher. Temas, por sinal, que merecem abordagens mais críticas e reflexivas. Ou mesmo um espaço maior de/para debate (por alguém que o consiga fazer de fato). Faço, por fim, um comentário quanto à edição que li, da Cosac Naify; que é simplesmente linda. Embora percebi alguns espaçamentos um tanto apertadinhos e um pouquíssimos erros. Ao início de cada parte, há uma imagem de ilustração. Que deixam, por sinal, a leitura mais agradável.

Espero que eu tenha, ao menos, conseguido deixá-los um pouco curiosos pela leitura, caso ainda não a tenham feito. Embora demorada e exija certo fôlego, é prazerosa e com personagens complexos e curiosos. Este é o primeiro romance que leio do autor, e foi tão gratificante que ainda espero ler outras obras dele.


“Agora, só queria ser melhor do que fora.” (TOLSTÓI, 2013, p. 102).


TOLSTÓI, Liev. Anna Kariênina. Tradução e apresentação de Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 816 p. 8 ils.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Memórias do subsolo, de Fiódor M. Dostoiévski

“Mas como sabeis que o homem não apenas pode, mas deve ser assim transformado? De que concluís que à vontade humana é tão indispensavelmente necessário corrigir-se? Numa palavra, como sabeis que uma tal correção realmente trará vantagem ao homem?” (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 45).

Desde janeiro de 2016 que estou um tanto que curiosa ou encanta com a Literatura russa. Nesse ano, tive a oportunidade de ler obras de Dostoiévski, Tolstói, Gógol e Tchekhov. Embora eu admita que, sinceramente, sei pouquíssimo sobre a Literatura russa e ainda tenho muito para ler, mesmo sem entender a profundidade dessas obras, posso afirmar que são esplêndidas. As narrativas, o teor emocional, os personagens, as críticas. É um tanto cativante. Recentemente, aliás, meio que recomendei tanto uma obra russa que certa pessoa começou a lê-la e, não por caso, está adorando a leitura. Ao mesmo tempo, consigo ver que há um certo receio alheio em ler obras russas e clássicas, seja pelo desconhecimento ou qualquer outro motivo. E, dependendo de por qual obra comecem, talvez pareça um tanto "pesado" mesmo. Por isso, decidi compartilhar um pouco da minha leitura de uma obra de Dostoiévski, Memórias do subsolo. Li este livro para a Maratona Literária do IBL, em dezembro, na categoria "clássico". De início, a leitura me soou bem arrastada; eu não estava num momento tranquilo para ler algo tão 'feroz'. Não pude evitar de me questionar por que não estava aproveitando uma leitura de um autor tão bom. Acabei largando o livro por uns dois dias antes de retomar a leitura e, finalmente, conseguir aproveitar o restante da leitura. Devo admitir que a primeira parte do livro exige um pouco mais de fôlego, pois é um monólogo de um personagem que, de acordo com o tradutor Schnaiderman, transborda. Fico um tanto na dúvida se recomendaria esta obra para quem queira começar a ler Dostoiévski, dado que achei a primeira parte mais "densa" do que esperava, mas admito que ela deve, sim, ser lida em algum momento. 


Esta novela é dividida em duas partes: O subsolo e A propósito da neve molhada. Numa visão geral, pode-se dizer que a primeira parte é mais reflexiva, contemplando possíveis aspectos do ser humano, enquanto a segunda parte é mais voltada às memórias do narrador, em que se vê o protagonista em algumas situações pelas quais passou, o que permite uma imagem mais nítida, eu diria, dele. Embora a primeira parte seja mais densa e a segunda seja mais "tranquila", fora da primeira que marquei muitas citações incríveis. Acabei relendo O subsolo para escrever este texto, de fato não aproveitei esta parte na primeira leitura, e acho que a relerei futuramente, mais um vez  por enquanto, sinto que me falta mais bagagem.

Em O subsolo, vê-se um monólogo sobre o ser humano, diferenciando o homem comum, direto e das ações  se entendi esta parte, é claro  do homem do subsolo, como o protagonista  que diz viver nesse subsolo (não literalmente) há quarenta anos. Em suas falas, enquanto se dirige aos "senhores" com quem conversa  locutores imaginários, ao que parece –, além de expor essa diferença entre os homens, discorre sobre vingança, sobre as vontades do ser humano, o livre-arbítrio.

"O homem precisa unicamente de uma vontade independente, custe o que custar essa independência e leve aonde levar. Bem, o diabo sabe o que é essa vontade..." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 39).

Para o narrador, ao ser humano, parece mais que necessário o livre-arbítrio, que este não se sinta comandado por "forças maiores" ou "calendários"; aliás, parte disso chegou a me lembrar um pouco de ficção científica. Em Memórias do Subsolo, expor questões referentes ao ser humano como indivíduo e sociedade, entre seu lado racional e emocional, parece mais do que apenas um monólogo do homem do subsolo. Quase como um recado de que há uma base na nossa sociedade, que continua sendo utilizada e fortalecida e qualquer mudança pode acarretar ondulações imensas. Não é estranho observar que a raiva, a contenção e a vingança (contraponto com a justiça) apareçam tanto na obra, a partir das palavras e ações do narrador, que é um homem do subsolo. Ao ser humano, parece destacar o desejo de ter controle e não ser controlado; de poder dizer que tem a capacidade de escolher e tomar decisões. Mesmo que estas o prejudiquem.

"Que sabe a razão? Somente aquilo que teve tempo de conhecer (algo, provavelmente, nunca chegará a saber; embora isto não constitua consolo, por que não expressá-lo?), enquanto a natureza humana age em sua totalidade, com tudo o que nela existe de consciente e inconsciente, e, embora minta, continua vivendo." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 41).

Não é recente o debate entre a razão e a emoção, mas ouso dizer que, embora parece um pouco óbvio depois de ler, admito que me impressionei com a frase acima quando entendi parte dela. Afinal, quando seguimos o lado racional não significa que estamos tomando a melhor escolha, dado que a nossa "razão" partirá de nossos conhecimentos e experiências, que podem não ser o suficiente em dadas situações para que seja feita a escolha certa. Nisso, parece interessante observar, mais em relação à segunda parte da novela, os "conflitos" pelos quais o narrador passa, tomando decisões das quais seu lado racional poderia não concordar, e das quais seu emocional o impelia a agir. Só parece plausível pensar, após essa leitura, que nem racional nem emocional podem estar certos, tendo-se que medir a escolha a partir de ambos.

“Fica ainda uma pergunta: para que, em suma, quero eu escrever? Se não é para um público, não se poderia recordar tudo mentalmente, sem lançar mão do papel?” (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 54).

Pensando sobre o que li nesta novela, e uma meia resenha que li  porque não cheguei a terminar de lê-la –, parece-me inútil estar até mesmo escrevendo essas minhas frases fracas sobre a obra. E, junto a isso, uma reflexão acerca da situação acima. Para o narrador, não havia um público, ele o "criou" para que soasse mais "solene"; ou mesmo porque o ato de escrever possa ajudá-lo a libertar memórias que o pressionam. Não muito longe da ideia de se livrar de memórias fortes, imagino que escrever sobre uma obra seja uma forma de se pensar sobre ela, em seus pontos bons e ruins, antes de se iniciar uma nova leitura; um modo de pensar, como o é para a Sumire de Minha Querida Sputnik (Haruki Murakami). Isso, aliás, me fez pensar neste blog, para que eu o criei, se podia escrever sobre minhas leituras e simplesmente deixar numa pasta do computador; talvez pela motivação. Ou só porque espero que, caso alguém leia um de meus textos, sinta-se convidado a ler algum desses livros incríveis. Só espero que meus textos (os positivos) não acabem fazendo o contrário; ou que seja decepcionante lê-los. Apesar disso, retomo à obra, e recomendo a leitura, talvez não como "iniciação" a Dostoiévski ou aos russos, mas fica a recomendação futura, de qualquer modo. 


"Imaginava, para mim mesmo, aventuras e inventava uma vida,
para viver ao menos de algum modo." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 39).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. Tradução, prefácio e notas de Boris Schnaiderman. São Paulo: 34, 2009. 152 p.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Impressões com a leitura de "A dama do cachorrinho e outros contos", de A. P. Tchekhov

"Os animais domésticos desempenham um papel quase imperceptível, mas indiscutivelmente benévolo, na educação e na vida das crianças." (TCHEKHOV, 2009, p. 149)


Assistindo a um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na semana passada, mais uma vez me vi questionamento sobre como encaro a Literatura. Embora o foco do trabalho em questão era voltado ao ensino, e houvessem comentários maravilhosos sobre isso, fiquei pensando em como faço minhas leituras; no que observo. Em meio aos meus pensamentos, ouvi comentarem a respeito da sensibilidade estética que a Literatura proporciona; pensei logo em A elegância do ouriço, da Muriel Barbery. Pensei também em diversos outros livros e, por fim, percebi que este é também um dos pontos que me faz querer um pouco de distância dos livros contemporâneos, e nacionais. Talvez eu deva esclarecer esse ponto antes de continuar; observem que não questiono história ou desenvolvimento da obra, apenas a sensibilidade estética, que é, em síntese, a escrita, a narrativa em si. Não quero dizer que todos os livros deveriam possuir essas narrativas; mesmo porque não é o propósito de toda "literatura". O ponto, parece-me, pelo que ouvi diversas vezes, é que falta essa narrativa trabalhada, não meramente puro diálogo ou frases curtas e simples  claro que há livros assim propositalmente, e são ou devem ser maravilhosos; exemplo disso seria o livro No mar, que comecei a ler há pouco e tem frases curtas, cujo objetivo parece ser passar a tensão pela qual o personagem está passando –, que tenha ou faça com que o leitor sinta-se lendo algo que proporcione certo deleite, pela fluidez, estrutura ou elaboração geral da obra. Afinal, um livro é mais do que a mensagem ou história exposta, é, também, a forma como isso se dá.

O pensamento central, que aqui convém, contudo, é que com minhas leituras, às vezes, "viajo" em pensamentos ou conversas afins a partir das citações; pela leitura, às vezes penso em dada questão na sociedade ou na minha vida. Em suma, eu uso da leitura para pensar no mundo – e não apenas "me isolar" dele, como pode-se ouvir falar, sobre a maravilha da leitura; a tal fuga da realidade –, o que não sei dizer se é algo bom ou não. Sobre pensar no mundo, não quero dizer que faço reflexões extraordinárias e filosóficas demais, não. Simplesmente quero dizer que são leituras que abrem minha mente para o que está a minha volta: aos pequenos detalhes do dia a dia ou algo mais abrangente. Como pensar na questão dos nomes (ou da ausência deles), algo que tanto Saramago quanto Murakami fazem, embora de formas diferentes; como pensar que o vilão pode virar mocinho e vice-versa, com a leitura de Tess; ou algo pequeno, como relembrar que, de fato, os animais domésticos possuem certa influência na vida das crianças, algo que a citação que abriu esta postagem demonstra. A questão, no conto em que a frase se encontra, aliás, é muito mais ampla, mas não é meu foco aqui, agora. Sugiro a leitura do conto, em qualquer caso, chama-se O acontecimento. Enfim, pensando nessas coisas, resolvi fazer esta postagem, nomeada com "impressões" não por acaso.

Antes de mais devaneios (meus), à obra lida!

O livro que li chama-se A dama do cachorrinhos e outros contos, do russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860 - 1904), da editora 34. Peguei o livro emprestado da mesma biblioteca (💛) em que peguei o livro História dos Treze do Balzac e Demian do Hermann Hesse (ambos comentados aqui). Infelizmente, por alguns motivos, entre eles o TCC, comecei a ler o livro em setembro e só fui terminá-lo nesse fim de semana que passou, entre os dias 3 e 4. Apesar disso, não tive problemas com possíveis "esquecimentos", já que é um livro de contos. Especificamente, 36 contos, entre eles Nos banhosUm dia no campo (cenazinha)QueridinhaAngústia, A dama dos cachorrinhosHomem num estojo e Pamonha. Alguns deles me encantaram muito, enquanto outros passaram "batidinho", sem muito brilho. Achei interessante que o tradutor, Boris Schnaiderman, expõe, no fim do livro, que os contos representam diferentes facetas do autor russo; alguns contos são considerados parte de sua melhor produção, enquanto outros são criticados e meio que "postos de lado". Num geral, eu diria que a escrita de Tchekhov é um tanto simples, e que, por meio disso, consegue fazer com que a narrativa flua. Em dado conto, por exemplo, não há (na minha opinião) como não se comover com a situação do personagem, mas isso comento mais a frente.


Não vejo sentido em falar dos contos que menos me agradaram ou mesmo em fazer aqui uma resenha da obra, porque queria compartilhar, de fato, duas citações, de contos diferentes. Cada uma teve um significado para mim. A primeira é do conto Um dia no campo (cenazinha). Mal me recordo, agora, da história, para resumi-la, mas trata-se de dois órfãos (crianças) e um senhor, o Tieriênti, também sem lar e pobre, que acode um dos órfãos que precisa de ajuda. Ao término do conto, exatamente no último parágrafo, se não estou enganada, há o trecho a seguir.

"As crianças adormecem, pensando no sapateiro sem lar. E, de noite, Tieriênti vem vê-las, faz sobre elas o sinal da cruz, coloca-lhes sob a cabeça alguns pães. E ninguém vê tamanho amor. A não ser, talvez, a lua, que desliza pelo céu e espia carinhosa, através do telhado cheio de furos, para o barracão abandonado." (TCHEKHOV, 2009, p. 80).

Num primeiro momento, imaginei a cena, à noite, e a lua a iluminar o local; uma cena bonita e triste. Fez-me lembrar de alguém que conversara comigo sobre isso; a lua e suas facetas. Tchekhov mostrou isso muito bem, retratando uma observadora carinhosa, que não afeta diretamente, e pode passar despercebida, mas está ali. E isso remete também ao Tieriênti, e seu olhar pelas crianças, o afeto e o carinho dado sem esperar nada em troca, nem mesmo o reconhecimento de seus atos. Embora agora todo um pensamento sobre pobreza possa surgir e aflorar nas mentes que leram esse conto e, especificamente, a citação acima, foco num ponto só: o afeto por si só, o reconhecimento como finalidade; duas coisas distintas, mas, de certo modo, interligadas. Não acho que caiba aqui um comentário prolongado, mas às vezes é interessante pensar se o ato feito espera sempre algo em troca. Se as ações, mesmo no dia a dia, são feitas por um querer ou um esperar retorno; às vezes, ouvindo algumas histórias, parece-me que esse é o problema de muitas pessoas, expectativas e seus retornos. Enfim, nessa linha de pensamento, algumas palavras-chaves passam rapidamente na minha mente: liquidez – e lembro-me de uma resenha (sim, só a resenha) que li da obra Amor líquido, do Bauman –, imediatismo, tecnologia, modernidade, futilidade, ódio, política; sensibilidade, respeito, compaixão, humanidade. De todas elas, acho que sensibilidade é a que mais marca a citação acima, e que irá representar o que se pode tirar de parte da próxima citação, do conto Angústia, que narra um pouco da história de Iona, um senhor que, desolado, quer que alguém o ouça, pois quer pôr para fora o que o atormenta; porém, ninguém lhe dá a menor atenção.

"Os olhos de Iona correm, inquietos e sofredores, pela multidão que se agita de ambos os lados da rua: não haverá, entre esses milhares de pessoas, uma ao menos que possa ouvi-lo? Mas a multidão corre, sem reparar nele, nem na sua angústia... Uma angústia imensa, que não conhece fronteiras. Dá a impressão de que, se o peito de Iona estourasse e dele fluísse para fora aquela angústia, daria para inundar o mundo e, no entanto, não se pode vê-la. Conseguiu caber numa casca tão insignificante, que não se pode percebê-la mesmo de dia, com muita luz..." (TCHEKHOV, 2009, p. 136).

De todos, acredito que esse tenha sido o meu conto favorito, sendo o que mais mexeu comigo. O drama, o sofrimento de Iona, e, então, a realidade nessas palavras que fazem tanto sentido; e quantas pessoas talvez não passem por isso? Não digo aqui apenas questões e situação extremas por quais as pessoas passam, digo, também, todo e qualquer momento angustiante por qual a pessoa passe e, naquele momento, não tenha com quem contar ou mesmo desabafar. Até pelo fato de que, com isso, algumas pessoas tendem a guardar tudo para si, todos esses sentimentos negativos; e um acúmulo disso tende, por vezes, a trazer um mal físico. É até estranho pensar nisso, mas emoções têm, sim, um poder grandioso na pessoa, tanto no psicológico quanto no físico. Alguns livros mais antigos mostram isso com maior clareza, não sei quanto aos mais contemporâneos - caso saibam, sintam-se à vontade para comentar. Por não ter um embasamento maior sobre essa questão, deixo-a por aqui, mas acho interessante pensar sobre isso.

Por outro lado, ainda quero comentar um outro ponto sobre essa citação; algo que vim a refletir principalmente com dada conversa com um amigo, depois que lhe mostrei esse trecho de Angústia. Seria, em síntese, o protagonismo das pessoas nas próprias histórias; em dados momentos e/ou situações, porém, esse protagonista não é algo além de um figurante. Isso se refere, explico-me melhor, às pessoas que, de tão focadas em si, não veem os demais, não pensam ou mesmo respeitam os outros. Como se, de certo modo, o outro ou os sentimentos alheios não fossem relevantes no seu próprio mundo, ou, ao menos, não possuíssem um papel grandioso. Por outro lado, isso talvez seja resultado de um momento em que cada vez mais se pede por uma individualização, um exibicionismo e uma posição reconhecida. Por que isso? Cabe a cada um ter sua resposta. Só não posso deixar de mencionar que isso nem sempre é algo feito propositalmente, é inconsciente. Numa busca pelo entendimento ou compreensão de si mesmo e sua situação no mundo, é até normal a pessoa se emergir nos próprios problemas e, sem querer, não perceber o problema alheio. Embora muitas outras questões estejam envolvidas, isso me lembra, de certo modo, de um vídeo (em inglês) que me mostraram recentemente. Talvez o maior problema seja que não há como estar atento a tudo e a todos, o que pode ocasionar uma visão egocêntrica, mas pode ser nada além de um olhar normal, imperfeito. Talvez, novamente, caiba apenas se perceber que somos, de fato, imperfeitos, e cometeremos falhas e/ou deixaremos de ver e perceber muitas coisas. Até porque a sociedade atual está tão desenvolvida tecnologicamente, com tantas redes sociais, discursos de ódio por tudo quanto é lado, tanta distância e tanta proximidade a distância, que... Ter uma opinião só e se apegar demais a ela pode ser um problema.

Posso estar, é claro, exagerando; e "viajando" demais. Novamente, retomo uma visão geral da obra e digo que, sim, vale a pena lê-la; embora não todos, considero que a leitura dos contos é muito relevante, tanto pela narrativa quanto pelas questões que abordam. Aliás, considero que pessoas com outras bagagens terão leituras mais profundas e valiosas do que a minha. Enfim, é isso. ✌

TCHEKHOV, A. P. A dama do cachorrinhos e outros contos. Organização, tradução, posfácio e notas de Boris Schnaiderman. 4. ed. São paulo: Ed. 34, 2009. 368 p.