quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

No mar, de Toine Heijmans

“Aprendi que o mar é previsível. Ainda mais previsível que a terra firme, onde se pode cruzar com todo tipo de gente e coisas que não se espera.” (HEIJMANS, 2015, p. 55).

Às vezes parece que grande maioria do que se lê hoje em dia ou é nacional ou é norte-americano. Claro que há diversos fatores para isso, mas ainda assim isso muito me soa um pouco limitador. Mesmo com o reconhecimento de grandes clássicos de outros lugares do mundo, autores de outras nacionalidades ainda não possuem tanto destaque, me parece. Ou talvez apenas eu não note isso. Mas destaque não quer dizer que não cheguem até o Brasil, com tradução para o português. Chegam, e isso é lindo (💙). É muito bom ver que existem bons escritores em todo canto do mundo, o que me faz ter vontade de ler cada vez mais essas literaturas de diferentes nacionalidades  talvez apareça algo relacionado a isso por aqui futuramente. Nisso, achei muito curioso quando reparei que um dos livros que ganhei é de Literatura Holandesa; me surpreendeu muito! A obra em questão, No Mar, foi escrita por Toine Heijmans, e recebeu uma edição maravilhosa pela Cosac Naify; capa linda, não? São poucas páginas, menos de duzentas, e a leitura é rápida. Achei a obra tão curiosa que resolvi comentar um pouco sobre ela por aqui; isso porque Heijmans conseguiu criar um personagem que vai ficando cada vez mais nítido na mente do leitor, e, conforme a leitura vai avançando, percebe-se um clima tenso e uma reviravolta mais ao final do livro que é simplesmente de nos fazer respirar fundo para não pensar demais.




Em suas 160 páginas, a obra mostra-se incrivelmente repleta de questões pertinentes, tanto que não me sinto capaz de comentar sobre todas. Dito isso, tentarei comentar, brevemente, dois pontos que aparecem: a relação do mar com o trabalho/sociedade; e a relação de pai e filha. Primeiramente, é necessário ver que a história não é linear, fazendo uma espécie de ziguezague durante o tempo em que o protagonista está em seu período "sabático". O que se sabe é que ele, protagonista e narrador, recebeu uma espécie de férias de três meses, nas quais decidiu fazer uma viagem com seu veleiro Ishmael – isso é referência a Moby Dick, livro que, aliás, estou cada vez mais curiosa para ler –, sendo que ele tinha esse imenso desejo de passar um longo tempo no mar, longe de tudo e de todos. Atrevo-me a dizer que o mar pode ser, de certo modo, seu refúgio. Além disso, nos últimos dias de sua viagem, já no seu retorno a terra firme, a sua casa, passou a ter a companhia de sua pequena filha Maria – ele explica como conseguiu que ela o acompanhasse e tudo o mais. Além dos dois, há ainda uma outra personagem importante para a história: Hagar, a mãe de Maria e esposa do protagonista – cujo nome, aliás, não é dito em boa parte da trama. A obra se intercala entre momentos passados no mar e as memórias do narrador sobre a terra firme; em que, frequentemente, ele tece comentários de que tenta ser um bom pai, numa tentativa de mostrar a Hagar que ele consegue, sim, ser uma boa pessoa. Admito que por algumas páginas até me questionei se eles eram separados e se, no caso, esses comentários fossem de que ele merecia, sim, passar tempo com sua filha; mas isso foi apenas impressão.

“‘Crianças muitas vezes são tratadas exageradamente como crianças’, asseverei a Hagar quando discutíamos sobre a viagem.” (HEIJMANS, 2015, p. 49).

Em algumas partes, principalmente no que se referia aos papéis de pais e mães – à questão de paternidade e maternidade –, não pude deixar de lembrar de muitas questões sociais atuais, que envolvem a construção histórica-social do sujeito. Obviamente, não se pode negar que as mães, de certo modo, generalizando, passam um tempo maior com os filhos nos primeiros meses, devido à amamentação e tudo o mais; mas é interessante pensar que há uma distinção muito grande entre o papel de um pai e o de uma mãe. O protagonista mostra isso e, inclusive, dá seus argumentos para tal visão, como o fato da criança estar em contato com a mãe desde antes de nascer, de ouvir seus batimentos cardíacos etc. Todos seus argumentos parecem levar a uma visão de que é "natural" essa distância que parece haver entre ele e sua filha, distância que parece não existir com a mãe, e isso parece apontar a necessidade de ele mostrar ser um bom pai e que pode fazer Maria se divertir numa viagem no veleiro com ele.



A partir das falas e dos pensamentos do narrador, pode-se ver um homem abatido pela vida no trabalho 
– que está na mesma empresa há anos e não é promovido; o que lhe dá certo amargor –, que não vê mudança, não vê um progresso; quase como se esse fato o oprimisse, exercesse uma pressão estressante sobre ele. A situação na empresa em que ele trabalha, em que os mais jovens andam recebendo destaque, parece-me uma crítica à seleção e/ou à promoção de funcionários, ao que se exige dos trabalhadores, sendo que por vezes se deveria considerar a dedicação e o tempo gasto com a empresa; mas tudo também tem que englobar o desempenho do funcionário, e, parece, contudo, que o protagonista não se fazia perceber, como se ele fosse "invisível", aguardando a oportunidade em que poderia se fazer presente, mas nunca a vendo aparecer. Logo, pode-se dizer que seu refúgio para tudo virou o mar. O narrador, então, demonstra ser um homem que, aparentemente, possui uma raiva contida, como que faltando certo amadurecimento e necessitando comprová-lo por meio desse passeio com a filha; o fracasso do passeio seria seu fracasso.

“Comecei a comparar a vida na empresa com a vida no barco. Você se concentra no que vê. No que está próximo, no que pode tocar. Fora isso, nada mais é importante. Antes que você se dê conta, o trabalho vira o centro do mundo. Se você não toma cuidado, ele se torna a razão da sua existência.” (HEIJMANS, 2015, p. 43).

É interessante ver que, apesar das frases curtas, da narrativa um tanto "simples", não é um livro "fraco"; pelo contrário, é até que denso, se reparar em alguns detalhe e começar a pensar neles. Isso seria até mais interessante se comentasse o final do livro, mas como é um spoiler meio grande, vou terminar meu comentário da obra a recomendando um bocado, e deixando uma última citação, que eu estou tentada a usar como metáfora para qualquer coisa que fuja do "padrão/normal".

“Não se pode velejar para sempre;
chega um momento em que querem você de volta à terra.” (HEIJMANS, 2015, p. 15).


HEIJMANS, Toine. No mar. Tradução de Mariângela Guimarães. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 160 p.

4 comentários:

  1. Oi, Paula. Lindas edições de No mar e Moby Dick. Achei a sua resenha fantástica, como sempre.

    Interessante mostrar a relação de diferenças que há entre a paternidade e a maternidade, não me recordo se já li algum livro que expusesse esses pontos, fiquei bem intrigada. É comum ver relatos de mães, das dificuldades que elas enfrentam, de como os filhos são jogados às custas delas, mas nunca havia parado para pensar em como um pai se sente, pois é tão cristalizado o fato de a mãe ter mais conexão com os filhos, até pela questão da gestação e da ligação física durante nove meses, que fiquei curiosa para saber o que o protagonista dessa estória fala.

    Beijos, Hel.

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    1. Oi! =)

      Lindas, né? A edição de Moby Dick tem umas folhinhas verdes lindinhas, e até um desenho de barco! <3 Infelizmente, as folhas da história são brancas. =\
      Fico contente por isso, obrigada. *-*

      Não tinha pensado nisso, mas acho que é o primeiro livro que traz essa perspectiva. Interessante. Verdade, é muito mais comum ver o lado da mãe, já que grande parte da responsabilidade cai sobre ela. Achei interessante que, pelo que me parece, a história está bem nesse momento de "papel da mulher é cuidar dos filhos", ao mesmo tempo em que parece dizer que pode (e até deveria) ser diferente.

      Talvez tu gostarias do livro, recomendo. ;)
      Boas leituras!

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  2. Olá,
    Gostei de sua maneira de iniciar para falar sobre o livro
    A capa é linda e sem duvida o lerei
    =]

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    1. Olá! =)
      Fico contente por teres gostado.
      Linda mesmo, né?
      Espero que aproveites a leitura também!

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