quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Um poucochinho sobre livros, leituras e a ação de compartilhá-los [Parte II]


Com o tempo, os detalhes de uma leitura vão sendo esquecidos e restará, em grande maioria, um amontoado seleto de cenas fragmentadas e, numa visão maior, uma impressão. Por vezes uma impressão boa, densa, por vezes algo vago e vazio. Com a sociedade da neve, de Pablo Vierci, por exemplo, obra que li durante o Ensino Médio, ficou uma impressão de uma história surpreendente, de que seres humanos se adaptam a coisas impressionantes e que um pequeno fio de esperança já é uma fonte inacreditável de força e coragem para seguir em frente. E essa foi uma leitura que não compartilhei de fato até um bom tempo depois, em que fiz um conhecido lê-lo também (dar o livro de presente é uma forma de incentivo a leitura também, não acham? Embora às vezes seja uma certa pressão...). Já sinto que é diferente de uma leitura que fiz sabendo que a compartilharia logo em seguida, como Peter Pan ou Garota, Interrompida. Em que a leitura individual logo ganhou opiniões diversas e pontos que antes passaram despercebidos veem à tona; um compartilhamento de visões diferentes, uma longa conversa sobre coisas fascinantes. Foi principalmente com leituras assim que pude reparar que cada pessoa, de fato, tem um olhar para o livro; algumas pessoas tendem a marcar as citações que acham mais interessantes. Algumas coincidem, outras não.
Tendo escrito a primeira parte dessa postagem na outra semana, deram-me a ideia incrível de, na mesma temática, sobre conversas de livros, comentar sobre o Clube do Livro. A ideia veio da Julya, do Leituras & Gatices, e espero que esse texto que estou fazendo não a desaponte. Enfim, graças a essa ideia, e na motivação da "Parte I", queria comentar sobre minha visão de um Clube do Livro – a partir do que conheço a respeito, tendo em vista que participo de um. Pensei em duas perguntas que parecem dar conta desse comentário, se houver qualquer dúvida estarei à disposição para respondê-las – se possível.

O que é um Clube do Livro?
Em resumo, é um grupo de pessoas – sem restrições  que conversam sobre livros. Só que é mais interessante que essa primeira frase. Os livros não são totalmente aleatórios e é um tantinho organizado, na verdade, digo, não é cada um conversando aleatoriamente sobre o que anda lendo – apesar de que tudo depende do objetivo do clube, claro. Contudo, convenhamos que precisa-se sempre de um ponto de partida e um elo nessas conversas; principalmente se as pessoas forem um tantinho desconhecidas.
Quanto à escolha das obras, devo dizer que, particularmente, gostei bastante de participar da seleção dos títulos do clube que participo. Claro que cada grupo ou clube de leitura/livro deve ter uma organização diferente, imagino, sendo por temática, autor ou obra, além de se ter um planejamento da quantidade de tempo e encontros. Não é tão complexo quanto pode parecer.
Quando foi organizado o Clube do Livro que faço parte – no final do ano passado , optamos, por exemplo, em partir de meses temáticos, de modo que em cada mês a obra escolhida seria motivada por algo em particular. No mês da mulher, optamos por obras de escritoras com protagonistas mulheres; nesse mês, lemos A cor púrpura, de Alice Walker. A escolha das temáticas teve por base o calendário e suas comemorações; dia da mulher, dia do artista etc. Essa opção de temas nos proporciona uma abrangência de obras que podem ser escolhidas e que permite que a cada ano – se o clube continuar a seguir carreira a partir do ano que vem – o mês seja uma surpresa, mesmo continuando a seguir a mesma temática. O mais interessante é que essa diversidade abrange livros de vários gêneros literários diferentes; há livro de romance, de terror, de memórias etc. O que, às vezes, nos faz sair da nossa tão aconchegante zona de conforto, lendo, às vezes, livros que não leríamos ou que iriamos colocando lá pro fundinho na lista de leitura – como foi o caso de Admirável Mundo Novo, para mim. Eu já pretendia ler a obra, mas estava deixando para depois, e depois, e depois, e sabe-se lá quando eu a leria; não fosse o clube, que tinha essa obra do Huxley como leitura do mês de maio, talvez ainda não a tivesse lido.
Depende muito de qual o objetivo do grupo em questão, mas imagino que a diversidade de autores e nacionalidade nos permita uma visão mais ampla da literatura, nos faça apreciar mais determinado gênero ou estilo literário, ou mesmo depreciar dado gênero. Sempre numa experiência válida, cuja conversa pode vir a gerar ideais e perspectivas diferentes. Lendo Peter Pan, por exemplo, passei batido pela palavra escalpo, até que num encontro do clube fora dito o que realmente isso implicava – uma prática nada inofensiva e delicada. Foi algo muito significativo. Um pequeno detalhe, mas que muda muita coisa.
Não digo que ler apenas o que gostamos seja ruim, mas essa oportunidade diferente nos permite ampliar nosso olhar para a literatura e para o mundo. Se a conversa é produtiva, as perspectivas diferentes podem trazer conhecimentos diversos que por vezes podem fugir do que está apenas no livro. E aí entra aquela questão que acho fascinante que diz que todo texto é incompleto, sendo complementado apenas na leitura, com a bagagem de cada leitor. (<3).

Enfim, resta um comentário extra quanto ao clube do livro. Não deixando nunca de lembrar que cada livro possui sua densidade e seu tamanho, a escolha da obra em dada época – imagine ler algo como Os irmãos Karamázov (900 páginas) em semestre de TCC!  e seu tamanho são essenciais. Se é uma obra grande, geralmente pode haver um espaço maior para a leitura ou exigir mais dedicação, ou um espaço menor para leitura de algo menor  – e exigir menos dedicação na obra em questão. É interessante, principalmente, ver qual o objetivo do grupo; apesar de que só a experiência já vale a pena. (*-*)

O que me a acrescentou participar de um clube do livro?
Antes de qualquer coisa: não desanimem se encontrarem uma leitura negativa no grupo. A primeira leitura do Clube do Livro que participo, em outubro do ano passado, foi o desagradável Sementes no Gelo, do André Vianco. Que leitura decepcionante! O agradável foi ver que não fui a única pensando isso; o desgosto foi compartilhado. A obra deixou tanto a desejar, embora tivesse ideias boas, que um começo desse só podia ser desanimador. Contudo, em novembro lemos Garota, interrompida, da Susanna Kaysen, e em dezembro lemos Peter Pan, do J. M. Barrie; leituras que valem a pena! Recomendo. Convém dar ênfase no fato de que mesmo um livro ruim nos proporcionou uma conversa gratificante. Afinal, aprendemos com erros também. Quando somos capazes de ver algo desagradável num livro, significa que estamos sendo um pouco mais críticos e descobrindo qual nosso gosto literário. E se pararmos para pensar nesse ponto negativo e pensar no que poderia ser diferente para melhorar? Estamos exercitando nosso conhecimento tanto de leitura quanto de escrita, por difícil que possa parecer. Porque opinar na escrita implica também ter certo conhecimento da estrutura ou do processo de produção textual. Bom, nem sempre, mas é uma possibilidade.
Conversando com o pessoal do clube também acabei pegando alguns títulos novos para minha lista de leitura, que me interessaram e estão por aí esperando ser lidos. Esse contato com pessoas de gostos literários diferentes ou mesmo iguais é gratificante, pois mostra que sempre há algo fascinante a ser descoberto e lido. Até um autor desconhecido e que teve uma leitura interessante pode acabar ganhando um novo leitor assim. Este ano, por exemplo, posso dizer que li uma obra da Virginia Woolf pela primeira vez, e já pretendo ler algo dela novamente.
Enfim, respondendo a pergunta, em resumo: conhecimento, conversas valiosas e a possibilidade de percepção fundamental de que cada leitura é única. Mesmo a releitura é algo único. Acima de tudo, conversar sobre livros com pessoas que têm algo a acrescentar é tão animador quanto a própria leitura em si.
Será que esse meu comentário já seria uma resposta do por que participar de um clube do livro?

Por fim, e considerando que esse blog é, em si, uma busca por leituras que valham a pena, além de no caminho poder me deparar com ouriços, queria dizer que sim, já encontrei ouricinhos nas leituras do clube; Sementes no Gelo resumiria tudo. Devo dizer, também, que mesmo Admirável Mundo Novo foi uma surpresa grandiosa, diferente da vaga impressão que eu tinha antes da leitura. 
Bom, era isso, e espero que esse poucochinho sobre livros, leituras e a ação de compartilhá-los não tenha sido um desperdício de tempo. 
Eu, particularmente, me animo quando o assunto é livros e a conversa é agradável. <3

4 comentários:

  1. Adorei o texto!
    Realmente, poder compartilhar impressões e entendimentos de uma obra é muito gratificante, pois possibilita a construção de um novo conhecimento, um conhecimento mais amplo e aprofundado de um texto, que só pode ser feito por meio de discussões. Além disso, sair da zona de conforto é algo interessante, pois permite conhecer algo novo e ter surpresas, sejam elas agradáveis ou não.

    Beijos.

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    1. Que bom! *-*
      Concordo plenamente contigo.
      Particularmente não sou fã de surpresas, mas é esse fato do aprendizado, das experiências e do conhecimento mais amplo que são tão interessantes e que deveriam ser mais aproveitados. E tudo isso pode ser feito por meio dos livros~ <3

      Obrigada pelo comentário. ^^

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    2. Eu preciso concordar com a Julya e dizer que seu texto (como de costume) está maravilhoso. Só participando de uma experiência de leitura coletiva para saber o quanto dá para apreender de uma leitura, o quão é legal perceber que o outro pode ter uma interpretação completamente diferente da nossa em relação ao mesmo livro. Além de tudo isso, tem as indicações de livros e autores que é muito legal, é sempre bom compartilhar, ainda mais dicas de leitura.

      Bjs, Hel.

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    3. *-*
      Concordo contigo.
      Não dá pra negar que dicas de (boas) leituras são sempre bem-vindas~ <3
      Mesmo aquelas que vão ficando mais para o fim da fila (interminável) de leituras. x)

      Obrigada pelo comentário. ^^

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