quarta-feira, 10 de agosto de 2016

História dos Treze, de Honoré de Balzac #3


Lembro-me sempre de uma frase que ouvi no Ensino Médio, algo que até fora mencionado em uma aula do curso de Letras, que seria: “o trabalho dignifica o homem”. E eis que há toda uma reflexão por trás, que não é aqui meu propósito. A questão é que a relacionei com algo que li em Balzac, e proponho-me a pensar sobre isso. Numa sociedade como a nossa, trabalhar é não apenas necessário, como é uma marca de que fazemos parte dessa sociedade. As pessoas voltadas ao ócio não costumam ser bem vistas. Sejam as que não trabalham por motivos diversos, sejam as que não possuem oportunidade ou mesmo as preguiçosas. Mas pensemos nas que trabalham, de fato. Cada vez mais o tempo do dia a dia é dedicado a esse serviço, cuja renda permite que a pessoa consiga se manter, viver "bem", comprar o que precisa etc. O trabalho, em algumas situações, faz a pessoa levantar cedo, mal aproveitar o café da manhã e ir apressada para trabalhar. Lá, gasta suas forças físicas e mentais para que mantenha o bom rendimento e continue empregada. Então, ao chegar a casa... O cansaço, o esgotamento de ambas as partes da pessoa, costuma fazê-la ajeitar alguns pormenores que lhe restavam na casa e ir dormir. Sem dedicar tempo a si mesma. Quem já leu Admirável Mundo Novo poderá se lembrar da adição de carga horária e de suprimento de soma aos de classes mais baixas, pois o tempo livre desgasta o indivíduo que não conhece a si mesmo. Ou, às vezes, por começar a conhecer-se. E o que quero pensar com isso tudo é: não é o trabalho incessante um rompimento com nós mesmos? E, não obstante, com o tempo, como descobrimos quem somos?


* * * * * * * * * * * * * * * * * *


“O nome de Honoré de Balzac, meus senhores, há de fundir-se no rasto luminoso que nossa época deixará no futuro. E ele era um dos primeiros entre os maiores, um dos mais altos entre os melhores.”
Victor Hugo (1850)*

A trilogia História dos Treze, de Honoré de Balzac, é constituída por: Ferragus; A duquesa de Langeais; e A menina dos olhos de ouro. Nas três histórias têm-se o foco em poucos personagens, dado que o escritor, embora coloque bastantes personagens para histórias maiores, possui uma narrativa mais descritiva e/ou reflexiva sobre a vida parisiense, a cidade e seus habitantes. Já escrevi textos para as primeiras duas histórias, que mais se aproximam de comentários/reflexões do que resenhas propriamente ditas. Desta vez, ao comentar a parte final da obra, procurarei, também, fazer um apanhado geral do livro, retomando pontos comentados anteriormente.

Um primeiro comentário se atém a observar que personagens mencionados nas duas histórias anteriores do livro, como Ferragus e Ronquerolles, aparecem brevemente em A menina dos olhos de ouro. Isso, além de unir as histórias no mesmo universo, traz o carácter misterioso sobre a sociedade dos Treze Devoradores, da qual não temos conhecimentos além dos poucos personagens e situações que aparecem na trilogia. E, até onde sei, não há outras histórias desses integrantes, pois há a informação, dada pelo próprio Balzac, de que ter essas três histórias contadas já é o bastante, sendo deixadas as outras às sombras como se permanece o próprio grupo dos Devoradores em si. Em cada um dos romances, temos breves visões sobre o que essa sociedade é capaz de fazer; apesar de ser um elemento essencial para as histórias, tem-se esse grupo secreto apenas como plano de fundo.
Na última história da trilogia, escrita entre 1834 e 1835, vê-se o jovem Henri de Marsay como protagonista; um rapaz inteligente, repleto de conhecimentos e qualidades que o fazem quase se sentir acima dos demais, além de possuir uma desconfiança geral com todos, como se percebe com seu "amigo" Paul. De Marsay, pelos indícios no decorrer do romance e por seu aparecimento em A duquesa de Langeais, é integrante dos Treze Devoradores, motivo pelo qual o faz se sentir capaz de tudo, aliás. Essa posição em que se encontra acaba por torná-lo, além de um tanto indiferente quanto aos demais, ávido a emoções além das cotidianas; eis que repara numa moça de olhos dourados que viu passar numa rua que frequentava, sempre acompanhada por uma aia que a apressava para sair logo das ruas. É essa a moça que dá título ao romance, tendo sido apelidada de menina dos olhos de ouro. Encontrando-se encantado e mesmo apaixonado pela moça, Henri busca encontrá-la e poder dirigir-lhe a palavra. Para isso há todo um plano para chegar a esse objetivo; eis que o consegue, e descobre que a moça demonstra uma ignorância – ou seria ingenuidade? – quanto à vida em sociedade, além de que ela lhe oferece todos os prazeres que lhe puder dar, enquanto que lhe pede, temerosa, para que a livre da situação em que se encontra.

Indo além desse resumo poderia-se dizer que perderia boa parte da graça da leitura, pois, apesar de integrante da trilogia de Balzac e ainda ter toda a narrativa cativante do escritor, parece-me que esta é a mais fraca das três. A história possui a contextualização tão intrigante do autor, a narrativa bem descrita e reflexões pertinentes. Porém, dá para perceber que há uma queda, uma espécie de rapidez na conclusão da história, não pela narrativa, que não me pareceu com aquele tom típico de quando os autores tendem a terminar com pressa, mas que, se comparada às demais, nota-se que houve menos reflexões da metade em diante, menos desenvolvimento e explicações e/ou reflexões a respeito. Parece-me que essa história poderia ser um pouco mais prolongada, pois a ideia de romance noir, como diz a introdução, parece ter retirado parte da essência do desenvolvimento. O desfecho final, por exemplo, ficou tão vago quanto um conto mal terminado. É uma história que poderia ter mais cem páginas e não seria exaustiva, pois assunto não lhe faltaria – ao menos é o que me parece. Ao mesmo tempo, viria a seguinte questão: mas será que se houvesse essa continuação, esse maior desenvolvimento, não se tornaria ruim? Como muitos livros que recebem continuação quando muito bem sobreviveriam melhor sendo uma obra única, sem essa explicação adicional? Quem sabe... Ainda permanece a sensação de que faltou algo.

“Precursor de todos os grandes romancistas modernos, Balzac revelou os intestinos da sociedade de sua época e descreveu para sempre as profundezas da alma humana. Ousou o tempo todo, em especial neste romance, quando aborda uma tórrida paixão entre duas mulheres.” (BALZAC, 2009, p. 327, introdução à história A menina dos olhos de ouro).

Talvez tenha tido uma leitura superficial, o que é uma resposta, mas, ao ler o trecho acima esperei encontrar essa “tórrida paixão entre duas mulheres” (op. cit.), e, do que encontrei, senti-me um tanto quanto enganada, pois não me parece algo que fica tão claro. Imagino que esse tenha sido um dos motivos pelo qual a história não me impressionou como as outras; a expectativa de uma história que se igualasse ou fosse melhor que as anteriores mostrou-me, mais uma vez, que expectativas não devem ser criadas. A introdução, por exemplo, é uma visão da história, e apenas isso.

“Que potência os destrói? A paixão. Toda paixão em Paris se resolve por dois termos: ouro e prazer.” (BALZAC, 2009, p. 342).

Na trilogia há em comum também o quanto a paixão pode mover o ser humano, deixá-lo ansioso para a perpetuação desse sentimento, fazendo do possível para evitar manchas ou mesmo obstáculos a isso. Acrescentando, também, o fato de que esses personagens, os protagonistas das trilogias, não sofrem com a condição econômica, dado que todos são bem colocados socialmente, com fortunas que lhes aprazem. De modo que, como na citação, de fato vê-se que as paixões são movidas pelo ouro e pelo prazer. Ademais, as histórias balzaquianas são mais um olhar para o desenvolvimento dos personagens, uma contextualização, crítica da sociedade, do que histórias complexas cujas intrigas e/ou mistério são o ponto forte da história.
O exemplar que tive a oportunidade de ler é da editora L± o que me surpreendeu porque, de algum modo, sempre imaginei essa editora apenas por seus livros de edições de bolso, enviados às escolas pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE. A edição que li, em particular, não sei se há outras, possui alguns poucos erros de revisão, mas não atrapalhou muito a leitura. Tanto a diagramação quanto o material escolhido para a produção do livro são excelentes, pois, apesar de grande, o livro não é pesado. Porém, considero a capa pouco chamativa, mesmo sabendo que não tem a função exclusiva de chamar a atenção, e sim de proteger o miolo do livro, apesar de achá-la uma boa capa. De modo que parece-me um pouco com um ouricinho.
Enfim, essas foram as primeiras histórias de Honoré de Balzac (1799-1850) que li, mas já sei que pretendo ler outras, caso sejam tão boas quanto essas. Apesar dos pontos negativos, no que se refere, principalmente, à última história, recomendo-as, principalmente pela narrativa cativante.


*Trecho de abertura da introdução de Ivan Pinheiro Machado para o romance A menina dos olhos de ouro, p. 327.

BALZAC, Honoré de. História dos Treze: Ferragus, A duquesa de Langeais, A menina dos olhos de ouro. (Apresentação e introdução de Ivan Pinheiro Machado; Tradução de William Lages, Paulo Neves e Ilana Heineberg). Porto Alegre, RS: L&PM, 2009. 420 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário