quarta-feira, 20 de julho de 2016

Demian, de Hermann Hesse

“Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo.” (HESSE, 2006, p. 62).

Quando penso em narrativas, refiro-me à forma como a história se desenvolve, ao modo como o autor escreve. Talvez seja errado nomear isso de narrativa, não sei ao certo. Mas é a isso que chamo de narrativa. Parto do princípio de que antes de uma boa história, o livro precisa de uma boa narrativa. Porque é por meio da narrativa que o leitor irá construir sua leitura, entrar ou não no universo ali criado. É por ela que nos sentimos atraídos ou não pela história. Além de ser a narrativa um dos elementos utilizados para se definir se um livro é difícil ou não. Se há uma linguagem rebuscada, se é muito simples ou, talvez, incompreensível. Para mim, é parte essencial da obra, principalmente porque tenho apreço por livros que nos fazem pensar, que conseguem nos prender nos pensamentos do personagem, em suas reflexões, sejam elas sobre coisas banais ou de tanta complexidade que há a necessidade de uma releitura para o seu entendimento. Claro que há, aqui, o meu gosto por narrativas, há quem prefira textos objetivos e deteste enrolações e descrições. No entanto, gosto de pensar que são essas narrativas mais elaboradas que conseguem passar o quanto a linguagem consegue ser maravilhosa e encantadora. Um dos motivos de eu evitar alguns livros contemporâneos, afinal, é justamente esse; a narrativa tão objetiva e por vezes fraca – Celeuma? Talvez... Bom, claro que entram outras questões para esse estilo narrativo, o público, a temática, a bagagem literária... O comércio... Acho que me entenderam.
É por esse ponto que quero apresentar Demian, do escritor Hermann Hesse (1877-1962). A leitura da obra é incrível, tanto pela história, quanto, e principalmente por isso, pela narrativa de Herman Hesse. Já havia lido O lobo da estepe, e havia me encantado com a narrativa também, mas acho que a achei ainda melhor em Demian. Não é uma leitura que se diga difícil pela escrita, talvez seja difícil se buscarmos entender tudo que ali está escrito – e que vamos acrescentando ao ler –, pois no decorrer da obra parece que há um aumento na densidade de conteúdo apresentado. É um livro encantador e que, talvez por ser um bildungsroman, nos mostra a vida de Emil Sinclair desde sua infância, passando pela juventude e seu auge, que, pelo que entendi, é entre os dezoito e vinte anos. Ademais, não acho que teria capacidade para comentar com qualidade esse livro, pois muitas das questões ali apresentadas me parecem longe de minha compreensão. De modo que talvez percebam que minha visão da obra pode ser um tanto superficial demais. Ao mesmo tempo em que poderia deixar de comentá-lo, sinto que preciso apresentá-lo e mesmo conversar sobre essa excelente obra.

O livro, pelo que pode ser entendido pelo prefácio, é um pouco autobiográfico, mas todo livro não o é? Um dos “elementos”, não sei como definir isso, ou, talvez, uma das questões que o livro abarca, é a divisão entre o mundo luminoso, bom e puro e o mundo obscuro. Essa divisão, de início, parece-me bem fácil de delimitar, a leitura nos mostra uma divisão aparentemente bem clara, ao passo que parece ir se tornando mais densa conforme paramos para pensar. Para mim, essa foi uma temática parecida com a que abordei numa aula de estágio no Ensino Médio neste primeiro semestre de 2016, de modo que quando a questão começou a se ampliar, eu já retomei o que havia pensado anteriormente. O que eu quero dizer com isso?
Bem, pensemos que o bom seja o lado que nos leva a Deus – independente de acreditar ou não nisso, pensemos como o livro nos traz (ou mais ou menos nos traz, já que falo a partir da minha visão do livro) –, e o lado ruim, mal, o lado que nos leva ao Diabo. É um confronto entre luz e trevas, como se a separação fosse assim, óbvia e bem delimitada. Mas acredito que todos sabemos que não se pode responder dessa forma, tão simplesmente. Não existe pessoa perfeita, de modo que todos passamos tanto pela luz quanto pelas trevas. Na verdade, somos uma união desses dois lados, uma junção que nem sempre é clara e nítida. Até porque definir bom e mal partiria para o que é certo e errado, ao mesmo tempo em que isso depende de quais valores morais etc. estão a nós dispostos, e aos quais seguimos. Bem, desse ponto em diante não tenho capacidade de comentar muito, mas fica então a reflexão a vocês.

Afinal, e quanto à história?
Apesar de o título ser Demian, e Max Demian ser de fato um dos personagens principais da história, o narrador e protagonista é Emil Sinclair, um rapaz cuja família é religiosa e considerada por ele como pura, fonte e parte do mundo de luz. No primeiro capítulo, principalmente, vemos essa divisão dos dois mundos e como Sinclair fica transitando entre eles e pensando sobre isso. Era algo muitíssimo importante a ele, além de ser uma questão que o guiara por toda a trajetória de sua vida – a que temos conhecimento, pelo menos. O primeiro conflito da obra – se é que posso chamá-lo assim – dá-se na infância de Sinclair, em que ele se encontra na passagem entre os dois mundos.

“Pela primeira vez saboreei a morte. Tinha um gosto amargo. Pois a morte é nascimento, é angústia e medo ante uma renovação aterradora.” (p. 32).

As questões, um tanto existenciais, começam desde o início, em sua tenra idade, dando conversa com temas não tão leves, como a morte. Mas não a morte no que recorrentemente associamos como a morte física, mas a morte de parte de si, morte do que se até então considerava como seus valores morais etc. Morte de quem fomos e nascimento de quem estamos nos tornando a ser. Ademais, não é isso algo que, de um modo ou de outro, sendo em maior ou menor grau, pelo qual passamos em nossas vidas, uma ou outra vez? A passagem de uma fase à outra, a mudança de quem somos, o crescimento e conhecimento de si próprio...
Enfim, é a partir e depois desse primeiro conflito que Demian passará a exercer uma influência surpreendente em Sinclair. Max Demian surge como um novo aluno, sendo diferente, uma pessoa cuja idade não parece ser bem definida, um indivíduo desgarrado da sociedade por vontade própria, mas que nem por isso se considera de certo modo superior. Porque eis que o próprio orgulho é um problema. Mas essa é só uma visão superficial. É Demian quem irá ver em Sinclair a característica que permeia alguns indivíduos da sociedade, além de mostrar que o rapaz pensa mais do que é capaz de expor ao mundo.

“Vejo que pensas mais do que podes exprimir. Mas vejo também que nunca viveste completamente aquilo que pensas, e isso não é bom. Somente as ideias que vivemos é que têm valor.” (p. 80).

Mesmo podendo fugir um pouco do que se está falando no livro, parece-me que podemos associar com nossa sociedade atual, pensar, com essa parte isoladamente, nos indivíduos que pensam muito e o refletem, mas não o mostram. (E voltamos à questão das aparências engarem?). Pode-se pensar, também, num excesso de teoria que não faz sentido sem a prática – e vemos bastante isso quando estudamos licenciatura, porque é um debate feito devido sua imensa importância na formação do sujeito. No entanto, convém mencionar para que não se caía no ledo engano de pender mais para um lado do que para o outro, pois ambas, teoria e prática, são essenciais para um conhecimento significativo e produtivo.

“- [...] A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, e aí é que está a diferença.- Sim, é bem possível – murmurou. – Talvez o importante seja apenas saber em que sonhos vivemos...” (p. 135).

Outro ponto que considero importante comentar, mesmo que brevemente, é que o livro não é só sobre a formação e desenvolvimento de Sinclair, pois parece ir além disso, envolvendo o mundo que o cerca, sendo este, também, o nosso. Não está nosso próprio desenvolvimento num contato constante com o mundo, e sendo da vivência com ele que criamos e moldamo-nos? E eis que a sociedade entra nesse círculo, pois é com ela que convivemos, seja direta ou indiretamente, pois sempre há o risco da socialização vir a ser inevitável – e quantas pessoas já não se deixaram levar por grupos que lhes levaram a caminhos inadequados? Acompanhando o desenvolvimento de Sinclair, vemos ambos os lados, ambos os mundos, e uma busca infindável por aquilo que mais lhe apraz.
Ademais, tenho de comentar que a edição que li possui alguns errinhos, algumas frases que poderiam possuir umas modificaçõezinhas para tornar mais compreensível, coisas que imagino serem da tradução e/ou revisão, mas que também acho que devem ter sido arrumadas na última edição. Ou assim espero. Aliás, como podem ter reparado na foto acima, está escrito, na capa, "venda proibida", pois bem, explico-lhes que peguei o livro emprestado de uma escola estadual de Içara; é mais ou menos a mesma situação do livro de Balzac, disponibilizado à escola pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Por sorte, encontrei-o lá este mês (<3), digo isso pelo fato de que Demian  foi a leitura escolhida do mês de julho para o Clube do Livro que participo. Depois de já estar com o livro em mãos, encontrei-o numa livraria, com a capa amarela bonitinha, que pode ser vista abaixo – não é difícil encontrar esse livro –, e quis comprá-lo, pois desde que li a resenha do blog O epitáfio – aliás, recomendo que leiam a resenha dele – fiquei encantada com a capa, mas, graças à pessoa da minha irmã, comprei outro livro no lugar (O gigante enterrado~ *-* Conhecem? Parece muito bom!). Pois bem, gostaria de poder comentar a capa, mas talvez isso pudesse ser spoiler e tirar um pouco da graça da leitura. Basta dizer que o desenrolar da metade em diante, embora um pouco mais denso, talvez, é surpreendente.


As imagens das capas eu retirei do Skoob. Reparem na grande diferença que há de uma capa a outra. Particularmente adorei a primeira da fileira de baixo, do lado esquerdo.

Enfim, espero que tenha sido uma visão não muito distante da obra, e que tenha conseguido demonstrar que, apesar de conter muitas coisas, é uma leitura que vale muito a pena. Resta apenas pensar, é Demian um ouriço? Fiquei meio na dúvida; embora a capa me gerou curiosidade, pois não me fazia sentido, e comparando-a com outras fez menos sentido ainda, ela está tão relacionada à história que é difícil comentar (aliás, eu achava que era uma fênix, mas, pelo que entendi, é um gavião). Então, por essa visão, não, não é, pois embora a capa não reflita toda a grandeza da obra, reflete grande essência dela – é difícil uma capa fechar inteiramente com a obra, não? Contudo, se analisarmos ser de um autor um pouco desconhecido, geralmente associado a esse amontoado de questões que traz, de certo onirismo, com a possível crítica e tudo o mais... Além de capas que podem não atrair novos leitores... Bom, nesse caso eu consideraria um ouriço. Mas deixarei a decisão desse em aberto. Leiam e digam-me suas opiniões. =)

HESSE, Hermann. Demian. 37. ed. Rio de Janeiro: Record. 2006. Tradução e prefácio de Ivo Barroso. 188 p.

4 comentários:

  1. Olá, Paula,
    Também estou lendo este livro, e concordo com você sobre a narrativa rica que o autor desenvolve. Ademais, os questionamentos propostos no livro são instigantes, apontando pontos de vista sobre elementos religiosos que, em geral, são dogmas, ou seja, inquestionáveis.
    Por fim, adorei sua resenha, foi muito interessante lê-la.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá! =)
      Não é? A narrativa é muito boa! *-*
      Concordo, é bem instigante. Principalmente por não se ver muito disso junto, uma narrativa boa com questionamentos assim.
      Fico contente que gostasse. ^^

      Excluir
  2. Ola!!!
    Adorei ler sua resenha!!
    Estou muito interessada em comprar esse livro e sua resenha me deixou mais interessada ainda <3, e percebi mesmo a grande variedade de capas que ele possui, tanto é que em um site que procurei a versão amarela esta mais cara que a versão marrom com a árvore. Queria saber se você sabe a diferença entre eles. Tem alguma diferença no conteúdo ou algo do tipo???

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá!
      Que bom! *-*
      Ah, sim. A amarela é mais cara mesmo, além de um tantinho mais difícil de achar do que as outras - pelo menos nas minhas buscas pelo livro. Assim, que eu saiba não há diferença no conteúdo. A não ser que sejam tradutores diferentes, mas acho que não, já que são ambas edições da mesma editora. O que eu vejo que possa haver de diferença mesmo seria relacionado ao tipo do material usado no livro e quanto ao tamanho da fonte. Mas acho que com qualquer uma das edições poderias aproveitar a obra.
      Espero que gostes da leitura. ^^
      Obrigada pelo comentário. =)

      Excluir