quarta-feira, 6 de julho de 2016

Os sofrimentos do jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe

“E, todavia, ser incompreendido, é esse o destino da gente!” (GOETHE, 2014, p. 21).

Dizem com muita frequência que a única certeza que temos na vida é a morte. Todos os seres vivos um dia morrerão! Essa morte pode se dar naturalmente – por velhice –, por doenças, acidentes ou... Por vontade de extinguir a própria vida. Sim, suicídio. Apesar de ser um ato individual que não provoca efeitos físicos em outros seres vivos, o suicídio costuma ser um tabu, algo que as pessoas evitam pensar, até que, por um motivo ou outro, são obrigadas a pensar a respeito. Seja um personagem de livro que se suicide, ou algo da vida real. Seja conhecido ou completo desconhecido. O maior fato, e talvez mais trágico do que o próprio suicídio, é que as pessoas não sabem lidar com isso, não possuem um pensamento mais complexo do que “covarde”, “não devia ter feito isso”, “devia ter esperado a situação se acalmar” etc. Não exponho essa questão como se soubesse ou já tivesse lidado com isso, mas, como muitas pessoas, em algum momento da minha vida, já pensei a respeito sobre isso – e é isso que considero importante, pensar a respeito. Antes de qualquer outra coisa, convém relembrar que cada caso é um caso, que tudo é relativo, e que se deve, sempre que possível, evitar os conceitos prévios e equivocados que fazemos dos outros.

“De resto, meu caro, dia a dia vejo com mais clareza quão estúpido é o ato de julgar os outros pelas nossas próprias faculdades.” (op. cit., p. 91).

É compreensível que as pessoas não gostem de tocar nesses temas, pois por vezes estão envoltos por camadas tão frágeis de nossas próprias existências que tememos essa fragilidade, o desconhecido que vem disso, o sofrimento e a angustia de saber que, na verdade, nada sabemos. Mesmo agora, escrevendo sobre isso, parece-me que mesmo cem páginas que eu viesse a escrever ainda estariam incompletas, sendo apenas um poucochinho insignificante sobre a extensão e complexidade que é o ato de tirar a própria vida. Meus conhecimentos sobre isso se resumem ao que li e refleti em alguns poucos livros de Literatura. Se me recordo bem, os livros mais recente que li sobre isso foram: A playlist de Hayden (Michelle Falkoff), que li em 2015, apesar de que este livro bonitinho era mais sobre bullying do que sobre suicídio; e A elegância do ouriço (Muriel Barbery), em que uma das narradoras decide pôr fim a sua vida no seu aniversário de treze anos caso não encontre um sentido para a vida – a citação abaixo é uma fala dessa adolescente sobre suicídio. Enfim, a questão é que posso estar aqui falando besteira e comentando muito mal sobre um livro fantástico. Peço desculpas, afirmando que meu único objetivo é colocar para fora, jorrar em palavras o que penso sobre isso – pelo menos uma parcela disso –, e agradeceria se corrigissem quaisquer eventuais comentários equivocados.

“E também, acima de tudo, lancei a mim mesma um pequeno desafio: se a gente se suicida, deve ter certeza do que faz e não pode queimar o apartamento “a troco de nada”. Então, se existe alguma coisa neste mundo pela qual vale a pena viver, não devo perdê-la, pois, quando estiver morta, será tarde demais para ter arrependimentos e porque morrer por termos nos enganado é, de fato, muito idiota” (BARBERY, 2008, p. 36, Paloma).

Por mais óbvio que possa ser, no fim das contas, ninguém sabe o que acontece depois da morte. Ninguém sabe se o suicida tem um destino diferente. Quem sabe acabe tudo da mesma forma. Quem nos dirá?
Apesar dessa introdução grandinha, devo dizer que este texto é, na verdade, uma espécie de resenha de um livro simplesmente fantástico que aborda esse assunto: Os sofrimentos do jovem Werther, do alemão Johann Wolfgang von Goethe. Escrito em 1774, e com muitos pontos que provém da realidade, isso é, com muitos fatos autobiográficos e com episódios de fato acontecidos – mas não o é toda literatura uma cópia de parte da realidade? –, a obra é uma junção de várias cartas do jovem Werther a seu amigo Guilherme e, posteriormente, a Carlota e Alberto. Se fosse para descrever em uma frase, usaria a disposta na contracapa do livro – pela edição da L&PM –, “Uma paixão devastadora e mortal”. Mesmo para aqueles que não conhecem a obra, não considero um spoiler maldoso dizer que o jovem Werther, o protagonista sentimental e romântico, acaba por se suicidar. Mesmo a quem considere isso um spoiler, afirmo: Leiam! Eu li com a quase certeza de que ele se mataria, li já percebendo as deixas de que poderia ser levado a isso, de que poderia ser capaz de dar fim a própria vida, e a experiência, asseguro, foi maravilhosa. Um livro singular que fala de suicídio como nenhum outro da Literatura que conheço e li até então – aceito recomendações, aliás. E que, além disso, consegue abordar tantas outras coisas! Consegue falar de classes sociais, de trabalho, de amizade, de mau humor! Já pararam para pensar no quanto o mau humor, nosso próprio mau humor, afeta a nós a ao nosso meio?

“Não será o mau humor muito antes uma insatisfação íntima com a nossa própria indignidade, um descontentamento com nós mesmos, que sempre vem atado a uma inveja, fomentada por uma vaidade insana? Vemos homens felizes cuja felicidade não é obra nossa e isso nos resulta insuportável.” (op. cit., p. 51).

A obra data do século XVIII, mas algumas frases são tão atuais, que podemos refletir sobre elas, assim, fora do contexto, como a citação acima. Sobre o nosso mau humor conosco, nosso mau humor que provém da felicidade alheia não ser resultado nosso etc. Pensemos um pouco: em pleno século XXI, como o mau humor nos afeta? Às vezes, diria até muito frequentemente, acabamos passando esse mau humor aos outros, descontando em pessoas que nada tem a ver com nossos assuntos. Quantas vezes deixamos de ser bem atendidos por um funcionário incomodado com algo totalmente desconhecido a nós? Quantas vezes descontamos a raiva, frustração ou mesmo decepção em alguém que nada tem a ver com o problema? Quantas vezes, sem perceber, nos incomodamos com tão pouca coisa, deixando isso afetar todo nosso dia? De fato, devemos, às vezes, desabafar nossos problemas, resolver a fonte de nosso mau humor etc. Afinal, é fato que guardar tudo para si mesmo faz mal.
Às vezes, tudo que falta é parar, respirar e ver o que se está fazendo. Ao mesmo tempo, nessa época tão corrida, parece que isso é impossível. E, talvez, às vezes, seja mesmo. Mas o que é o impossível ante toda uma vida pela frente? O que são quinze minutos para evitar horas e horas de mau humor, desentendimentos e arrependimentos?
(Não, isso não é um texto estilo autoajuda! Ou talvez seja?)
Muitas vezes o que falta é a pessoa se conhecer, compreender a si mesma, reservar um tempo para descobrir-se, deixar se conhecer.  Afinal, o “descontentamento com nós mesmos” (op. cit.) pode ser pouco ao início, mas seu acúmulo pode deixar-nos cegos quanto à beleza que se expande ao nosso redor, como quanto aos pequenos gestos gentis de nossos colegas. Conseguem ver a relação disso com o suicídio?
Como já disse, é uma questão bem relativa, bem subjetiva, que um texto tão curto quanto este pode vir a ser o mesmo que nada, dado que cada caso é um caso. Bem, um exemplo meio... Simples, talvez, seria pensar o seguinte: se não vejo em mim mesma nada de agradável e passo a dedicar toda minha vida a uma pessoa que considero maravilhosa, de modo que toda minha existência seja a contemplação e atuação para a melhor condição dessa pessoa, quando esse ser partir, o que será de mim? O que tenho em mim que me faça ter vontade ou mesmo coragem de continuar? Nada, resta a morte. O suicídio pode vir a ser tanto um desgosto com o mundo quanto um desgosto consigo mesmo.
Um exemplo parecido com esse – acho que acabei de plagiar Goethe, sorry – aparece no livro, num trecho que acho incrível, disposto na citação abaixo. Para que se melhor entenda o contexto da citação, convém agora explicar o enredo da obra de Goethe. Werther, aparentemente, muda-se para outra cidade (será que posso chamar de cidade?), para longe de seu amigo Guilherme, sendo a partir de então que lemos suas cartas. De início vemos sua reação com o local e com a natureza, vemos o rapaz sensível que ele é. Até que, ainda ao começo, vemos que ele relata estar encantado, apaixonado por uma moça chamada Carlota. Acontece que ela já está comprometida, noiva, de Alberto. Esse é, em resumo, o enredo central da obra. Apesar de seu imenso amor por Carlota, ele não pode ser correspondido, o que gera sentimentos e ações um tanto quanto dramáticos. Tudo envolto no plano de fundo do sentimentalismo com a natureza e com o que o cerca. Werther, numa conversa com Alberto – o noivo de sua amada –, acaba por apontar uma arma descarregada à própria cabeça – num gesto sem a intenção de se matar, pois sabia que estava descarregada –, o que traz à tona o assunto do suicídio. Nisso, Werther comenta a história de uma jovem moça que dedica toda sua vida a um rapaz que a abandona, e, em meio ao diálogo, expõe a fala abaixo.

“Ai daquele que, à vista disso, fosse capaz de dizer: ‘Que louca! Se tivesse esperado, se houvesse deixado o tempo correr, o seu desespero ter-se-ia acalmado e em breve encontraria um outro que a consolasse’. É exatamente como se alguém dissesse: ‘O louco vai morrer de febre! Se tivesse esperado até que suas forças voltassem, até que se houvessem corrigido seus humores e apaziguado o tumulto de seu sangue, tudo se restabeleceria e estaria vivendo até hoje’.” (op. cit., p. 72).

Muito se pode dizer sobre esse trecho, mas gostaria de comentar que nem tudo é simples, que esperar (não) resolve. Nem sempre se encontra uma pessoa que salvará sua vida como se pode, possivelmente, encontrar em histórias contemporâneas – não digo que é errada essa visão, pelo contrário, às vezes é muito bom saber que há algo melhor à frente, que podemos encontrar um ponto de alívio. O que enxerguei no trecho é isso: você pode esperar até morrer de velhice e não dar em nada; às vezes, não há como esperar. A realidade, queridas pessoas, nem sempre vai lhes pôr uma âncora na qual poderão se fixar nos piores momentos que passarem. Não é querer ser pessimista, nem realista demais. Num mundo ideal todos encontrariam esse ponto de salvação, essa solução, essa paz... Mas o que vemos? Os suicídios continuam... Ao mesmo tempo, não acho que isso seja um incentivo ao suicídio caso se esteja passando por situações semelhantes. Pelo contrário! Vejo nisso, além de uma forma incrível de encarar a vida por meio da Literatura, uma forma de dizer que precisamos pensar e construir a nós mesmos, quem somos, quem queremos ser. Além disso, a citação também demonstra outra questão essencial: não devemos julgar sem saber o que a pessoa estava passando e sentindo.
É comum dizermos “há pessoas em situações piores” e julgarmos nossa situação indigna de insatisfação. “Reclamas do frio? Há quem morra literalmente de frio”. Sabem, precisamos, claro, levar em consideração nossa sorte de não estarmos pior, mas precisamos, também, considerar que cada contexto é um contexto, que cada pessoa possui um limite diferente. O que para mim pode não ser nada, ser o mesmo que ver a poeira sendo varrida para a rua, para outra pessoa pode ser algo que lhe arranque as entranhas! Enquanto para um sujeito tirar zero numa avaliação seja o fim do mundo, para outro isso não significa nada.

“Essas são mais algumas das tuas extravagâncias”, disse Alberto. “Exageras tudo e, por certo, cometes pelo menos o erro de aceitar o suicídio, que é do que estamos falando agora, como se fosse uma grande ação, quando não é nada mais do que simplesmente fraqueza. Pois, para ser sincero, é mais fácil morrer do que suportar com firmeza uma vida de tormentos.” (op. cit., p. 69).

É fácil dizer que foi fraqueza de uma pessoa, ou mesmo estupidez, ter se matado por “ser abandonado”, mas será que sabemos como o sujeito realmente está? Será que sabemos como realmente se sente em casa, consigo mesmo, com o mundo?

“A questão não é, pois, saber se um homem é fraco ou forte, mas se pode suportar o peso dos seus sofrimentos, quer morais, quer físicos.” (op. cit., p. 70).

Imagino que pessoas com maiores conhecimentos sobre a mente humana ou assuntos relacionados possam vir a falar melhor sobre isso. Portanto, focarei, agora, brevemente, na obra de Goethe. Um primeiro ponto a se observar é a narrativa, que utiliza bastante dos pronomes “vós” e “tu”, o que pode causar uma estranheza na leitura. Fora isso, achei a linguagem fluída e, até, um tanto encantadora. São várias cartas, então pode-se dizer que há alguns “furos”, algumas cenas e episódios de que não temos conhecimentos, mesmo porque, sendo cartas, só temos noção do que é contado ao destinatário. Além de que não sabemos o que contém nas cartas que Werther recebia de resposta, apenas algumas menções nas próprias cartas de Werther. De algum modo, durante a leitura, me lembrei de As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky. Apesar de bem diferentes, são cartas, possuem narrativas fluídas e, por algum motivo, falam dessa amplitude da existência humana. Mas pode ser só um equívoco meu.
Diria que esta é uma das obras que tem de ser lidas em algum momento da vida. Pode ser meio romântico demais para algumas pessoas? Pode. Talvez seja mesmo. Contudo, a beleza de Os sofrimentos do jovem Werther não está apenas na superfície, em ser um rapaz sensível que, pelas decepções da vida, tira a própria vida com as armas do noivo de sua amada. A obra tem sua elegância nisso também, claro, mas também por abordar um assunto tão delicado, em meio a tantos outros, conseguindo, com certa sutileza e certo arrebatamento, falar de tópicos tão fortes.
Por outro lado, não posso deixar de pensar e comentar que muitas pessoas evitam o livro justamente por isso, pelos temas fortes e pelo teor dramático. E me pergunto: Por que evitar temas fortes? Por que evitar o drama?
Por fim, convém questionar o seguinte: a obra pode ser considerada culpada ou associada aos suicídios? Acho que, de algum modo, sim, mas, de outro, não. Diria que, no máximo, a obra pode ser a última gota para o copo transbordar, o gatilho que as pessoas precisam para se impulsionar a fazer algo. Mas jamais culparia a obra. Ela jamais fará com que alguém se mate sem ter, anteriormente, essa tendência. Porque a obra, a meu ver, mostra que o suicídio não é de todo uma fraqueza. Talvez até que as pessoas precisam ser fortes para fazer isso. Precisam atingir um limite de suas existências. Enfim... Cada caso é um caso, não devemos julgar com os julgamentos e conceitos que temos. E que devemos pensar um pouco nisso.

“E é esta a característica mais evidente do nosso espírito, supor que é tudo confusão e trevas aquilo sobre o que não sabemos nada ao certo.” (op. cit., p. 143).


BARBERY, Muriel. A elegância do ouriço. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 7ª reimpressão. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

GOETHE, Johann Wolfgang. Os sofrimentos do jovem Werther. Porto Alegre: L&PM, 2014. Tradução, organização, prefácio, comentários e notas de Marcelo Backes. 192 p. (Coleção L&PM POCKET; v. 217).

2 comentários:

  1. Adorei seu texto, por apontar questões tão humanas, mas que são tratadas como tabu devido ao receio das pessoas de pensar sobre elas e, assim, torná-las reais.
    Achei bem interessante esse livro do Goethe e espero ter a oportunidade de lê-lo algum dia.
    Ademais, adorei o seu blog e espero bem mais textos seus <3

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    1. Oi! Fico contente que gostasse~ *-*
      Pois então, é curioso como se evita falar de certos assuntos...
      Espero que também aproveites a leitura do livro futuramente~

      Obrigada! <3
      Espero que os textos não te decepcionem~

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